Wednesday, August 19, 2009

HISTÓRIAS DE JORGE RAPOSO 24


MUITOS TIOS

Jorge tinha muitos tios e tias; tanto do lado materno como do lado paterno. Seus tios, irmãos de sua mãe eram de uma natureza especial, mas não tinham uma educação esmerada, como sua família paterna falava, entretanto eles eram muito dedicados aos sobrinhos. Todos procuravam agradá-los, principalmente a Jorginho, como também era chamado por eles. Quando iam para a fazenda o levavam para andar a cavalo ou burro, tomar leite mungido no curral e chupar cajus da quinta, apanhados do pé. (...)

Certa vez, porque ainda fizesse xixi na rede, um dos tios chegou a provar de sua urina, pois dizia que ele podia ser diabético e, nessa doença, urinava-se muito e o xixi era doce. O teste deu negativo, mas isso ficou marcado em sua mente e ele achava que fosse resultado da dedicação que seu tio tinha para o sobrinho. Eles nunca o repreendiam mesmo quando havia motivo para isso. Jorginho adorava o Tio Vicente e quando ele passava montado em seu cavalo alazão ou acompanhava as procissões vestido com uma bata branca e com uma fita vermelha em torno do pescoço, o sobrinho o imaginava como um cruzado pronto para invadir a Terra Santa e liquidar os infiéis.

Os tios do lado paterno eram muito trancados, carrancudos e irônicos. Todos da família tinham fama de serem muito irônicos e críticos, aparentando hostilidade contra todo mundo. As pessoas na cidade os tinham como muito instruídos, pois sabiam que liam muito e em diversas línguas; dizem que até grego alguns deles sabiam. O fato é que todo tipo de literatura em português e uma multiplicidade de romances de autores franceses e ingleses eram lidos por eles. Ainda hoje há, em suas casas, livros de poesia em francês ou inglês, com dedicatórias de um para o outro escritas nas mesmas línguas. O pai de Jorge fazia discursos e era convidado a dar explicações e esclarecimentos sobre fatos e acontecimentos políticos ou não, nacionais e internacionais.

A fama de estudiosos e dedicados às artes corria a cidade e talvez o desejo íntimo de todos era alcançar a posição a que tinha chegado um dos irmãos de sua avó: tinha sido um poeta laureado nacionalmente tendo publicado uma dezena de livros. Ninguém das gerações posteriores alcançou o sucesso dele.

Com Jorge alguns deles chegaram a ser intolerantes. Certa vez na Capital, ele já adolescente, um dos tios ao vê-lo e ouvi-lo mastigar uma torrada vociferou:

- Não se deve comer torradas fazendo este barulho todo menino!

O garoto baixou a cabeça assentindo com a afirmação do tio.

Quando Jorge inventou usar uma barba uma de suas tias, toda vez, que ele fazia um gesto de que iria cumprimentá-la com beijinhos na face ela dizia:

-Tira essa barba Jorge! Que coisa feia! E negava as faces para o beijo dele.

A bem da verdade havia entre os tios, uns poucos, eram 15 ao todo, que o
tratavam com certa civilidade. Depois que seu avô perdeu todas as posses os
tios abandonaram a Cidade e foram para o Rio e Belo Horizonte, à procura de
emprego. Jorge não os viu desde então.


A figura acima é: "A Corte dos Nobres – Fac-simile de uma miniatura em um antigo romance de Cavalaria". Séc. XIII (Livraria do Arsenal, Paris).

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