Wednesday, December 30, 2009

HISTÓRIAS DE JORGE RAPOSO 35


CLÉLIA, GRANDE PAIXÃO


Como de costume, Raposo estava em sua cadeira na sacada. Com frequência ele ficava muito tempo lendo. Quando gostava do assunto era capaz de ficar horas imerso na leitura. Ele dizia que esta sua “paixão”, mais uma das muitas que ele tinha, talvez fosse uma tentativa de equilibrar seu “déficit de cultura”. (...)


Ele se referia ao fato de que, supostamente, seus tios do lado paterno, tinham uma enorme e pesada bagagem cultural. Esta bagagem fora adquirida ao longo de décadas, desde os tempos de seus avós. Todos liam muito, faziam poesia e apreciavam música clássica. A fama de cultos havia se espalhado; ser Raposo era ser “sabido”. Essa fama ainda hoje os persegue muito embora não mais se justifique. Desde o tempo do fracasso dos negócios de seu avô podia-se perceber isso. Não o percebiam seus tios, irmãos, primos e afilhados e, certamente, ele próprio. Ele acordou de seu devaneio com o toque estridente do telefone fixo. Suzana trouxe o aparelho até ele que atendeu: - Alô! - É da casa do doutor Raposo? - É... Quem fala? - Não reconhece a voz? - Ah, sim! Como vai Clélia? - Tudo bem... Nunca mais nos encontramos... - Pois é! - Você ta sabendo que sofri um acidente? - Eu soube. Tua ex-paixão me contou. - Qual delas? - Ô homem danado... Foi a Celina. Disse que te viu na Beira-mar com uma moça bonita e um menino. Tu nem me conta! - Contar o que? Ela é minha amiga. É a arquiteta que planejou minha casa na Prainha. Aliás, tu podias ir lá, conhecer. Vamos nos encontrar e então combinamos. - Ok! - Só que não estou dirigindo... - Eu passo no sábado na tua casa e te pego. - No sábado não. Tu podes no domingo? - Ok! No domingo te vejo, às nove horas, tá bom? - Ta bom... - Então, um beijo! - Outro. Tchau. - Tchau. Após desligar ele começou a pensar em Clélia e como a tinha conhecido. Ela trabalhava com outro professor. Logo que aparecia no Departamento chamava atenção: tinha feições delicadas e bem claras; seu corpo aparentava ser rígido. Ela era muito bonita. Sempre usava calças jeans e blusas combinando, geralmente de cores vivas. O detalhe é que ela nunca usava nada por baixo da blusa, fazendo a imaginação dos homens delirar. Quando começou a olhar muito para ele foi um deus-nos-acuda! Logo se apaixonou sem nunca terem trocado palavra. Certo dia Dico, um colega bem mais jovem, o convidou a ir ao seu apartamento para tomar umas cervejas e comer alguma coisa. E conversar. Avisou logo que mais outras pessoas iriam. Ao chegar deu de cara com Clélia que logo passou a fitá-lo com um olhar doce, doce e de frete. Vencendo barreiras “seculares” ele aproximou-se dela e passou o indicador ao longo de seu braço sobre o espaldar da poltrona. Ela sorriu um sorriso tímido, mas encorajador. Ele então disse que a levaria em casa e ela balançou a cabeça concordando. Jorge afastou-se e tomou mais um copo de cerveja, já era o quarto. Pensou que tivesse feito uma grossa besteira, pois não tinha a menor idéia do que faria. E o que diria em casa? Finalmente os convidados começaram a sair, a maior parte, altos, devido à cerveja geladinha. Ele tomou a mão de Clélia e os dois despediram-se do Dico. Já no carro em movimento, sem saber o que faria em seguida, dirigiu por algumas poucas quadras e fez um contorno parando sob algumas árvores. Estava escuro, mas a claridade de uma lâmpada de rua permitia ver o suficiente. Agora o que eles tinham vindo fazer estava claro. Após uma hora de delírio ele a levou em casa.

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