Wednesday, December 09, 2009

HISTÓRIAS DE JORGE RAPOSO 32


UCLA, LOS ANGELES


Jorge estava sentado em sua cadeira de rodas na varanda. Leluli o tinha levado e o deixado tomando o seu sol de sábado. Ele pegou o livro que estava lendo agora. Eram contos russos de uma coletânea que havia tomado emprestado; raras vezes ele tomava livro emprestado, gostava de tê-los. Poucas vezes tinha entrado em contacto com os grandes escritores russos do século XIX. Antes tarde do que nunca. Este nunca se aproximava irremediavelmente e ele tinha consciência de que deveria aproveitar o máximo e de tudo. Entrou naquela sonolência e cochilou; em seu cochilo quase um sono ele sonhou com acontecimentos de muitos anos atrás. (...)


Em seu sonho Jorge experimentava uma série de pensamentos e diálogos solitários. Ele parlamentava consigo mesmo concluindo ser uma pessoa voluntariosa. Quando queria fazer alguma coisa ele a fazia, mesmo que fosse aos trancos e barrancos. É bom que se diga que isso talvez seja um exagero, pois ele era caracteristicamente tímido e não se aventurava muito a fazer algo desconhecido. Mas queria muito progredir na carreira. Logo depois de ter iniciado sua formação, por toda a vida atabalhoada, apareceu, no laboratório, um visitante americano, representando a Fundação Chrysler. O cientista aposentado vinha oferecer bolsas de estudo nos Estados Unidos para jovens profissionais de ciência brasileiros. Jaciara, sua bela colega de trabalho, parecia ser a candidata preferida do visitante. O Rosado também a indicaria, mas contrariado, pois iria perder a valiosa e charmosa auxiliar. Jorge ficou inquieto, pois viu a possibilidade de ele próprio ser candidato. Imaginava por qual razão ele também não poderia concorrer. Conseguiu ser examinado também e logo souberam terem ganhado bolsas para fazer mestrado em universidades americanas. Ela iria para a Universidade do e Tennessee, em Knoxville e ele iria para a Universidade da Califórnia, em Los Angeles, a famosa UCLA. Ambos iriam estudar Bioquímica. Quando veio a resposta, ele se perguntou: “Que diabos eu vou fazer lá?” Este e outros pensamentos relacionados não tiveram resposta adequada.

Passou a ter aulas de inglês intensivo além daquelas que fazia no Instituto Brasil-Estados Unidos, já havia algum tempo. Antes de ele e o professor acharem que estava preparado chegou a passagem para viajar em duas semanas.

Essa foi sua primeira viagem para fora do país. Logo para passar um ano! Felizmente viajou incorporado a uma turma grande de contemplados com o mesmo tipo de bolsa. Quando chegaram a Louisville, onde passariam um mês de adaptação, Jorge achou que tiraria de letra sua comunicação em inglês. Não se preocupou muito, portanto, em melhorar o manejo da língua e gastou juntamente com muitos colegas o tempo na pagodeira comum. Foi quando ficou sozinho na cidade grande, onde se localizava a Universidade da Califórnia, que ele percebeu o quanto não sabia de inglês. Penou durante alguns meses até ter um domínio razoável da língua. Ele conta que todo sábado saía do apartamento que dividia com mais três companheiros, um chinês, um jordaniano e um americano, e ia para a pequena vila, distante uns dois quilômetros no máximo. Ia a pé, pois não tinha carro e o sistema de transporte público quase não existia. Ele entrava numa “cafeteria” que se tornou seu comedouro preferido e, logo da primeira vez percebeu o quanto seria difícil morar na América. Sentou-se em um banco em frente ao balcão e, olhando para a lista de pratos presa à parede, escolheu alguma coisa. Pediu à senhora que estava atendendo e esperou. Quando o prato chegou viu que era uma sopa não sabe de que, talvez de cebolas, mas como estava com fome, tomou-a sem tugir nem mugir. No sábado próximo ele voltou à mesma “cafeteria” e a mesma senhora que o tinha atendido anteriormente logo lhe trouxe o “seu prato de sopa”. Ele não se aventurou a tentar mudar o pedido, pelo menos dizer que não era exatamente a repetição do prato anterior que ele queria. Não houve jeito. Seu inglês não havia passado no teste. Daí a algumas poucas semanas ele já estava conversando ao telefone com nativos; falar ao telefone e compreender o que o interlocutor dizia era um teste essencial para saber se dominava a língua. Nesse momento ele já sabia pedir um “steak”.


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