Wednesday, December 23, 2009

HISTÓRIAS DE JORGE RAPOSO 34


OS RAPOSO, OS DIFERENCIADOS

Os Raposo, isto é, as duas primeiras gerações, eram tidas na Cidade, em alto grau de consideração e admiração. Eles eram diferenciados, assim diziam todos. Eram escritores, poetas, sabiam falar em público. Não eram políticos, não faziam política partidária. O velho Raposo era oficial da Guarda Nacional, tinha o posto de Coronel e gostava que o chamassem de “Coronel Raposo”. Seus filhos apreciavam essa aura de sabedoria e grandeza que eles haviam ganhado alguns poucos com razão, outros nem tanto. Como em toda família havia os que se sobressaiam e aqueles que iam à cola desses. Tomando carona, talvez inconscientemente. (...)



Jorge lembra que alguns dos irmãos de seu pai não se encaixavam em qualquer definição do que seja culto. Há que observar, dizia ele sempre, que na época a grande maioria da população local era analfabeta, portanto... O fato é que esses que tinham a fama, mas não correspondiam à classificação, sofriam muito, pois eram como que obrigados a ter uma cultura vasta e não a tinham. É bem verdade que eles se esforçavam. Alguns de seus tios eram muito “fracos nas contas”, como se dizia. Não sabiam fazer contas e isto era motivo para serem sempre olhados como “excêntricos”. Jorge não se queixava, mas seus filhos sabiam o quanto ele tinha lutado para colocar seus irmãos em bons empregos depois que os negócios da família desandaram de vez. Agora, conseguir emprego para quem não sabia contar era muito difícil mesmo com a interferência de algum político de sua amizade. E ele contava com uns poucos. De qualquer modo Jorge conseguiu que esses amigos indicassem alguns de seus irmãos para sinecuras federais. Ele nunca dizia se haviam agradecido os favores.

Aborrecia-se também com a insistência dos irmãos em receber o dinheiro correspondente à renda das terras que ainda tinham. Não eram terras, mas sim um pequeno lote e que era arrendado todos os anos para alguém de maiores posses. Havia renda sim, mas o montante não justificava os pedidos de dinheiro para comprarem casa, apartamento. Os irmãos não conseguiam viver juntos. Cada um tinha de ter sua própria morada. Era justo, mas as condições nem sempre permitiam.

Entretanto, alguns deles se sobressaíram nas letras e artes. Havia Anselmo, formado em Direito e, como era costume e ainda é hoje, desviou-se da profissão e dedicou-se às letras e ao jornalismo. Fez um sucesso relativo tendo alguns livros seus traduzidos para o Inglês. Ele foi um ativista político de esquerda muito considerado. Foi preso por alguns meses, mas safou-se por ter amigos bons advogados. Viajava muito para entrevistar personalidades da cena mundial. Uma listagem das pessoas que entrevistou mostra um elenco de presidentes, primeiros-ministros, senadores, diplomatas dos mais diferentes paises e que estavam em evidência no momento. Gostava de bons vinhos, mas Jorge nunca contou se ele era um “gourmet”. Era tão adorado na família que um de seus sobrinhos foi batizado com o nome de Anselmo (Raposo Júnior).

Alguns de seus irmãos apresentaram sinais de doenças mentais que se agravaram com o empobrecimento da família. Um deles foi internado por anos a fio em um hospital psiquiátrico no Rio de Janeiro. Foi tratado até com eletro choque que, na época era um tratamento muito usado, mas que carregava um estigma muito forte. Seu pai e ele mesmo tinham tido sua dose da maldição lançada por um de seus antepassados: eles iriam sofrer uma infinidade de desgraças durante sete gerações.

Certamente ele não acreditava nessas histórias de maldições, mas era a pura verdade que a família Raposo era afetada por diversos tipos de problemas. O tal verniz cultural era um deles, pois os mais novos tinham que suportar o peso da obrigação de manter essa tradição irrelevante.

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