Saturday, December 19, 2009

CONTOS DA RIBEIRA 21


DIVERTIMENTOS DE MENINA

O velhinho viajara para o interior, para a cidade de seus antepassados. Lá ele era pouco conhecido, pois raramente se dava ao luxo de tirar alguns dias de férias e ir até lá. Na Ribeira ele saia de sua rotina para tomar banho no Rio, pescar, caminhar, e se por a par dos fuxicos locais. Quando ia para lá ficava na casa de seu tio, mais novo que ele e cuja esposa era filha de um homem importante da terra. (...)


Esse tio não estudou na Capital como os outros tendo ficado para tomar conta dos bens, das coisas da família, inclusive da enorme casa que pertenceu aos avós. Na casa ele ocupava sozinho um quarto grande do lado mais fresco e de onde podia entrar e sair sem perturbar ninguém. A casa ficava do “Outro lado” que é como chamam o bairro que fica na margem direita do Rio e onde muitos ricaços de famílias tradicionais construíram suas casas assobradadas e ajardinadas; ela resiste bravamente às investidas do atual único ricaço do lugar que sonha em construir um “shopping center” no terreno. Airton gostava de ir ao centro quando o sol dava trégua lá do outro lado, no fim do dia e a brisa começava a espantar o calor, para dar uma espiadela nas meninas caixeiras – elas se dizem vendedoras - das muitas lojinhas em torno do Mercado. Ele se aprontava todo e punha perfume, um já bem testado e se achava bastante charmoso para acreditar que as faria olhar para ele com olhares concupiscentes.
Airton sempre falava para seus amigos, em torno da mesa do bar do Titico, quando parava para tomar um aperitivo antes de voltar para o “Outro lado”, sobre os sucessos ou insucessos do dia: ele raramente encontrava uma menininha que pudesse se transformar em objeto de desejo. Mas ele estava acostumado, pois mesmo na Capital, raramente se deparava com alguma que lhe chamasse a atenção. É verdade que muitas atendentes de livrarias, farmácias, garçonetes, bilheteiras de cinema poderiam, se ele persistisse transformar-se em colaboradoras de seus hábitos de mulherengo. Ele se esforçava por não cultivar esse hábito, pois já notava nos olhares e reprimendas de sua parentela o ridículo que seria se aparecesse com um monte de menininhas a lhe telefonarem e a marcarem idas ao cinema e a praia. Será que os parentes queriam vê-lo transformado em um velhinho misógino? O esforço em evitar esses encontros era recompensado, pois já fazia anos que ele não tinha namorada. O que era uma enorme contradição: seu comportamento de caçador e um suposto sucesso. Todo mundo dizia que ele era novo e charmoso, apesar de seus bons sessenta anos. Seu cabelo grisalho e pele limpa lhe davam uma aparência de galã de novela. Ele vivia um dilema: procurar, encontrar, evitar, sossegar até que seus hormônios, finalmente, se extinguissem. Airton costumava pensar nessas coisas com muita seriedade e propriedade até que lhe surgiu um problema, ou melhor, até que ela lhe apareceu. Certa tarde caminhava na calçada em frente ao mercado, já de volta para o “Outro lado”, quando, de longe ele a viu: sentada em um banquinho de madeira ela tomava fresca à porta de uma lojinha; Airton sentiu que ela, logo que ouviu seus passos levantou a cabeça e, seus olhares se cruzaram. Ele não observou, dessa primeira vez, se a menina era bonita ou feia. Ele simplesmente ficou chocado com o charme que ela lhe jogava. Ela era uma mocinha de pele clara, cabelo negro e curto e olhos redondos e bem pretos. Usava um coque pequeninho preso com um laço de fita branco. Airton chegou a sua frente e, parando, cumprimentou-a com um boa tarde e um sorriso que só ele achava que tinha. Ela retribuiu, não com outro boa tarde, mas com outro sorriso, este sim, marcante. A partir dessa tarde Airton não mais deixou de passar em frente à lojinha de bugigangas da qual ela era a única vendedora. Após muitas tentativas ele conseguiu trocar algumas poucas palavras com ela passando a ter esperança de em breve poder visitá-la em casa. O que fez após muita relutância dela em recebê-lo, apesar de afirmar que não se incomodava de todo com a idade dele – era evidente que havia uma enorme diferença de idade entre eles. Ela chegava a pilheriar sobre isso dizendo que tinham a mesma idade, a mesma unidade: ela com 22 e ele com 62 anos. Suas investidas de conquistador sexagenário nunca foram mais longe do que essa única visita em casa e raras trocas de olhares melosos. Nenhum contacto físico, nem mesmo o passar as mãos sobre seus sedosos cabelos, nada que demonstrasse a Airton qualquer aceitação hormonal por parte dela. Passaram-se meses até que ele começou a fazer uma contabilização de seus momentos de sucesso e os de insucesso tendo verificado que os dados que coletara sugeriam que a menina estava a preparar-lhe armadilhas pouco inteligentes para enredá-lo em uma teia inconsequente de paixão. Airton sentiu-se usado, pois ela passou a não mais ter pudor em brincar com ele, virando e revirando seus sentimentos levando o velho enxerido e mulherengo a transformar-se em um velho decrépito e misógino. Em longas noites insones Airton procurava analisar porque a menina, uma total desconhecida para ele, no início desse relacionamento conturbado, o escolhera para lançar-lhe essas armadilhas despudoradas. Ele simplesmente decidiu, para encerrar esse caso perdido desde o início na opinião de muitos de seus amigos do bar do Titico, tratar-se de um caso clássico de complexo de Édipo.

(O quadro é Retrato de um velho de Rembrandt van Rijn)

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