Saturday, November 21, 2009

CONTOS DA RIBEIRA 17


“ERAS FATAES” OU O CLUBE

Logo cedo Zelito e Sileno preparam-se para ir à praia: vestem seus calções de banho e põem a camiseta com o emblema do Castelo, tomam um café bem ligeiro e vão pegar o ônibus do Meireles na Praça. Eles costumavam ir para a praia do Náutico aos domingos e lá encontrar com Jorginho. Seu pai dizia que era bom para a saúde física e também para a mental e eles concordavam, mais com essa última idéia, se bem que ficavam calados. Eles ficavam na areia tomando sol e, ao mesmo tempo, ficavam de olho grudado nas meninas que se bronzeavam por ali. Nenhuma delas olhava para qualquer deles, mas isso não tinha a menor importância. Eles formavam um tipo estranho, pois namorada na capital não tinham; meninas, só as da Granja, talvez eles tivessem medo de se chegar às da cidade grande. (...)


Quando era para entrar na água só Zelito e Sileno iam, pois Jorginho tinha medo do mar, desde quando ele perdeu um jacaré e foi jogado na areia, ali mesmo em frente ao Náutico, vomitando água, todo arranhado e assombrado. Entrar na água, nunca mais! Ele era assim, meio que radical. Ele só gostava da água das piscininhas, feito menino. Enfim, estavam os três, nesse domingo, deitados na areia quando Jorginho falou:

- Vocês vão passar o Carnaval na Granja?

Ele não esperou pela resposta e foi logo dizendo:

- Eu acho que eu vou, já faz um tempão que não vou lá e Mamãe reclama o tempo todo. Vou ter de voltar na quarta de manhã.

Um dos gêmeos diz:

- A Mamãe também pediu pra gente ir, nem que fosse só no sábado para voltar no outro.

Sileno continuava calado, riscando a areia molhada com um graveto. Mas disse logo a seguir:

- Se a gente quer ir tem de procurar transporte, pois o caminhão lá de casa ta quebrado e não vai sair do conserto tão cedo.

Jorginho sugere que eles procurem logo na segunda as passagens de ônibus ou um transporte qualquer na agência do Seu Edson. E completa:

- Pode deixar que eu vou procurar amanhã; tem que ser quatro lugares, pois na certa o Raimundinho vai querer ir também e vai ser bom a gente ir junto.

Depois de baterem bola um pouquinho, entrarem na água de novo - isto é os gêmeos - e chuparem picolé os amigos tomam o ônibus de volta pra casa. Jorginho desce logo na esquina da Nogueira Acioli enquanto os dois vão até a Praça do Ferreira e de lá vão gramando até em casa, na General Sampaio.

No dia seguinte, no Liceu, Jorginho encontra o Raimundinho e diz que eles vão passar o Carnaval na Granja e se ele não queria ir também: ia ser bom os quatro juntos, na festa da Prefeitura! Aí Raimundinho, vê que Zelito e Sileno vão também e imagina que vai ser uma viagem legal. O amigo concorda, mas diz que vai ser difícil, pois dinheiro ele não tem, mas tinha certeza que Seu Pedão lhe arranjava, pelo menos o da passagem.

- Vocês estão pensando na festa da terça na Prefeitura, não é?

Jorginho diz que é mesmo e seria bom se fossem, pois na certa encontrariam as meninas todas e podiam pular à vontade com elas, quem sabe até... Ele lembra ainda que tem alguns problemas.

Os dois voltam para a classe para assistirem a última aula, de Matemática, do Prof. Alcy, que era muito exigente e meio sarcástico e de quem nem todos os alunos gostavam. Jorginho gostava das aulas de Latim, dadas pelo Osvaldo, ex-seminarista, mas também exigente como todo. Já o Raimundinho tinha um pouco de dificuldade e os colegas diziam que ele era meio burrinho. Eles não tinham muita idéia de como era a vida do Raimundinho, mas ele não tinha nada de burrinho.

Na saída os dois se encontram novamente e o Raimundinho diz:

- Vem cá Jorginho tu acha que eu vou entrar na festa da Prefeitura?
- E por que não? Tu deve alguma coisa lá?
- Sei lá... Tem sempre um probleminha...
- Olha, vamos mandar fazer a nossa fantasia que depois a gente resolve tudo.
- Fantasia, rapaz? É melhor só uma camisa florida, é mais barato.
- É, talvez, pode ser uma camisa bem colorida, com flores bem encarnadas, verdes, sei lá... A Raimunda pode fazer bem baratinho pra gente e ela ta na casa dos meninos.

Jorginho lembrou que a Raimunda, costureira afamada da Granja, estava na casa dos gêmeos, passando uma temporada para se curar de uma doença que ele não sabia qual fosse, mas que era meio braba. O bom é que ela continuava trabalhando, como sempre. Vai daí que ela talvez pudesse fazer as camisas deles. Os dois resolveram que iriam logo passar na casa dos meninos e combinar tudo. Eles tomaram o ônibus do Jacarecanga e desceram na esquina da rua onde morava o Coronel - ainda chamavam de Coronel o pai dos gêmeos. Eles já tinham chegado do colégio e já estava quase na hora do almoço, por isso os dois se apressaram para conversar sobre a viagem e a festa, pois não iam filar o almoço da Joana.

- Raimunda vem até aqui na sala! Gritou Sileno.

Logo chegou uma senhora de óculos sem aros, cabelos pretos e meio ondulados, de uma idade indefinida, e de tez acobreada como de resto quase todo mundo da Granja, pois a ascendência índia era patente na maior parte da população. Raimunda foi logo perguntando:

- Que é que vocês querem meninos?
- Mundinha – era assim que eles chamavam a costureira, amiga da casa – a gente quer que você faça as camisas pra gente ir pra festa do Carnaval.
- E quantas são?
- Quatro: a minha, a do Sileno, a do Raimundinho e a do Zelito, diz logo Jorginho. A gente vai pagar assim que arranjar o dinheiro.
- Para o Raimundinho, também?
- Sim, também. Responde Jorginho.
- Certo, mas e a fazenda? Você podia pedir à Maria Isaura para tirar na loja do Seu Jean, lá na Praça do Ferreira. Se ela mandar eu vou logo depois do almoço e trago.
- Ta certo, eu telefono daqui e peço a ela.
- Então ta certo e eu nem preciso tirar as medidas de vocês eu faço pelas medidas do Sileno que eu tenho aqui, vocês são tudo do mesmo jeito... Quarta ou quinta estão prontas.

Volta o Jorginho da outra sala dizendo que a irmã havia dado ordem para a Raimunda tirar as fazendas no Seu Jean. E quem iria pagar tudo seria a Maria Isaura da conta dela mesma ou da sua mãe.

Os dois colegas se despediram e foram caminhando até a Praça do Ferreira, onde ficou Raimundinho na merendeira do Seu Pedão e Jorginho tomou o ônibus, pois já estava passando da hora do almoço e ele não queria ficar sem comer, sua irmã não dava mole, quem não estivesse na hora do almoço não comia. Raimundinho comeu o normal, um cai duro e uma garapa de cajá e se aprontou para trabalhar até sete horas que é quando ele vai pra casa na Cachorra Magra.

Raimundinho morava na Cachorra Magra com seus pais; ele tinha nascido na pequena casa construída por seu avô sobre o casebre que sua família vinha ocupando desde que suas bisavós haviam chegado do sertão da Granja fugidos da seca de 77. Seus pais contavam, por ouvir falar, e mesmo pela comparação que podiam fazer com sua situação agora, que não era certamente muito melhor do que a da época, da miséria implacável que foram aqueles tempos da seca dos dois setes como todo mundo dizia. Pode ser que seja melhor, pensava o Raimundinho, mas pelo que ele vê na Cachorra Magra e no Barrocão, na Granja, ele perdia as esperanças de ver alguma mudança para os seus. Ele tinha certeza que iria batalhar toda a sua vida para ter uma vida melhor e levar os seus a terem uma vida digna como certamente tinham seus antepassados distantes.

Ele ia de vez em quando à Granja passar férias curtas com seus tios, o Tio Pintor (pintor de paredes e, nas horas vagas, retratista) era irmão do seu pai e tinha voltado para a Granja quando viu que não tinha nada pra ele na cidade grande. Lá seus tios moravam no Barrocão, na parte mais alta, isto é, na barreira entre a parte antiga do bairro e a miséria total de hoje, à beira do rio.

Pelo fato de estar saindo da adolescência, sendo quase uma criança, pois tinha um pouco menos de dezoito anos, Raimundinho ainda não havia se habituado com o jeito como era tratado por muitas pessoas, seja na Granja, seja na Capital. Na Granja, pelo menos ele era conhecido e tinha amigos de todos os jeitos como ele próprio dizia, mas os pais de alguns de seus amigos olhavam pra ele com um olhar esquisito. Quando conversavam Jorginho, Sileno e Zelito e ele não estava por perto, muitas vezes, discutiam esse assunto. Eles gostavam do Raimundinho, durante toda sua meninice, nas férias, eles foram muito ligados, pois iam juntos aos banhos de rio, e brincavam juntos de bila, papagaio e espiavam no bar do Santino os jogos de sinuca, proibidos para quase todos só não para ele, seu tio Pintor ia lá se incomodar com isso. Só pouco a pouco os três, que moravam no centro da cidade, descobriram que o Raimundinho era, por muitos, considerado diferente deles. Eles tinham a cor da pele quase igual a do amigo, os cabelos eram pretos e escorridos, talvez os gêmeos os tivessem um pouco mais claros, a estatura era a mesma e outros sinais iguais. Só que o Raimundinho era diferente, o conjunto, bem dizendo. Os sinais herdados dos antepassados índios eram bem mais evidentes e, pior, seus parentes nunca tinham podido sair do Barrocão e “apagar essas nódoas” que eles achavam ter e que poderiam apagar.

Na tarde daquele dia Jorginho foi pro trabalho mais cedo, pois tinha de fazer alguns pagamentos no Banco do Brasil e nessa história ele passava à tarde quase toda; apesar de conhecer uns dois ou três funcionários do balcão, muitos outros colegas tinham também seus conhecidos e daí ninguém tirava vantagem. Após voltar do Banco e de pegar alguma merenda na própria mercearia, pois o primo Flávio não lhe pagava coisa alguma – recomendação de sua mãe que o queria aprendendo a trabalhar, não precisava ganhar dinheiro... - ele foi para casa estudar um pouco antes da aula de francês.

- Já vou Seu Flávio, ta na hora! Era essa a maneira de tratar o primo de sua mãe, bem mais velho que ele, além disso, ele achava que assim mostrava respeito, o que era verdade.

- Vai Jorginho, estudar pra ser doutor!

No dia seguinte no Liceu, entre uma aula e outra, o Raimundinho lhe diz que estava ansioso para voltar à Granja, pois quer ver a Delinha, sua namorada de já alguns meses. Delinha também morava no Barrocão e seu pai era um marceneiro que tivera uma pequena oficina, e que vivia hoje mais de bicos, o que mal dava para a comida. Esta era uma das razões pelas quais os dois queriam apressar um casamento que todo mundo tinha como certo. Eles se preocupavam e ela queria que ele pedisse um emprego ao Dr. Severino, o chefe político. Raimundinho não queria, mesmo porque não pretendia se enterrar na Granja. O que ele queria era se formar, em qualquer coisa, para poder melhorar sua vida e a dos seus incluindo a família da namorada, pois ele já a incluía na sua própria.

Jorginho ouve o amigo e, atento para os problemas de rejeição e de pobreza e de milhares de dificuldades dele, não consegue se desviar dos seus próprios problemas. Ele deixa de falar na sua paixão do momento, pois sabe que o intervalo está terminando e ele não vai ter tempo para falar com o amigo sobre a Corina como quer. Ele prefere falar sobre sua família que é considerada como sendo “de brancos” quando na realidade o seu antepassado “branco” está perdido entre ladrões de cavalos do século XVI que se amasiaram com nativas da terra. Antes de qualquer outra distinção, certamente artificial, o que lhe preocupa é a situação econômica de seu pai. Ele conta para o amigo que em sua própria casa todo mundo pensa que tem dinheiro, aliás, na Granja todos pensam que sua família nada em ouro e ele próprio sabe que não é verdade, seu pai morre de trabalhar e os lucros do seu negócio são poucos para muitas despesas. Raimundinho olha o amigo e diz simplesmente:

- Besteira rapaz, todo mundo lá na Granja sabe que tua família sempre foi uma das mais ricas, do mesmo jeito que a dos gêmeos, vocês fazem é choramingar sem razão.

Toca a sineta e eles vão assistir a mais uma aula de Francês do Prof. Albano querido de todos e que iria falar sobre Vercingetorix, o Bárbaro.

Na saída Raimundinho lembra ao amigo para se informar hoje mesmo sobre as passagens, se tem e quanto vai custar, pois ele vai ter de pedir um adiantamento ao Seu Pedão. Jorginho concorda e logo que termina a aula ele vai até a agência Rio da Cruz na Praça da Estação. Seu Edson, o dono, diz que não tem mais passagens para o sábado, só para o domingo. Jorginho decide que ele tem de comprar logo, pois, do contrário, nem no domingo eles vão poder ir. Ele pede as quatro para o domingo no carro das cinco horas.

– Eu posso debitar para seu pai, pois a gente tem negócios.

Jorginho pede para fazer uma ligação e fala com sua irmã; volta para Seu Edson e diz:

- Está certo Seu Edson, a Maria Isaura diz que o senhor pode fornecer as passagens.

Ele vai pra casa e sua irmã lhe diz:

- Olha Jorginho você precisa falar antes comigo, pois este negócio de apresentar o fato consumado não dá certo. Se eu não tivesse dado a ordem para a Raimunda fazer as camisas de vocês e ao Edson para adiantar as passagens, o que seria? Além do mais esses meninos não tem dinheiro para desembolsar com isso? Vocês vão me pagar, pelo menos as passagens.

Jorginho escuta e, como de costume, baixa a cabeça e não diz nada, vai esperar por outra reprimenda.

Sileno e Zelito vão até a mercearia do Seu Flávio encontrar Jorginho e ver se tudo vai bem do seu lado, pois do deles vai: eles já conseguiram, não dizem como, duas caixas de lança-perfume Colombina para cheirar e lançar nas meninas durante a festa. Jorginho se alegra, mas conta para os amigos que agora eles só vão no domingo, pois não tinha mais passagens para o sábado. Agora tem que dizer para o Raimundinho, na certa ele não vai gostar muito, pois vai diminuir de um dia o tempo que ele vai passar com a Delinha.

No dia seguinte, no Liceu, em um intervalo, Jorginho diz ao Raimundinho que está tudo certo, mas que agora só no domingo, pois Seu Edson não tinha passagens para o sábado.

- Merda, Jorginho, agora essa! Vou ter de avisar para a Delinha que só vou no domingo!

O amigo ficou chateado mesmo, como eles previam.

Na sexta-feira à noitinha estava tudo preparado: camisas e calças engomadas, sapatos lustrados, calções para banho no rio, e o que mais se quer, só faltava arrumar a mala que seria feita na hora. Cada um levaria uma pequena mala de couro com poucas roupas, pois demorariam pouco na Granja.

Nessa sexta Sileno e Zelito encontram Jorginho na Praça da Lagoinha para conversar um pouco sobre a viagem e o Carnaval. Todos estavam preocupados com o Raimundinho, pois tinham desconfiança que o Dr. Benito não o deixaria entrar no salão. Parece que estava havendo um movimento forte na Granja para se criar um clube, pois ninguém mais agüentava aquela sujeira das mijadas por trás do biombo e em cima dos presos, se bem que talvez esse não fosse o motivo principal, pois mijadas e sujeiras os acompanhariam em qualquer prédio por novo que fosse. O prédio, quase centenário, havia sido construído durante a seca de 77 - com braços de flagelados vindos do interior - e servia, na parte de baixo, como cadeia pública e a parte superior era o espaço onde se faziam as sessões da Câmara Municipal desde quando esta detinha o poder. Podia até ser que os presos tivessem reclamado tanto do mijo como do barulho em dias de festa e o Prefeito e o Presidente da Câmara tivessem decidido não mais ceder o espaço. Mas também podia haver um motivo político para isso. Nuvens escuras parecem estar se aproximando do cenário público. De qualquer modo dizem que o irmão dos gêmeos, o que é arquiteto, já havia sido sondado para fazer uma planta para a futura sede do Clube, era só uma questão de tempo, talvez esse fosse o último Carnaval na Câmara.

- Vem cá Jorginho, o que tem tudo isso a ver com o Raimundinho? Pergunta Sileno.
- Ora rapaz! Pode ser que os novos tempos, novo clube, possam servir para aumentar o “branqueamento do povo” como diria aquele autor.
- Mas que autor é esse Jorginho? Tu lê muito e não lembra?
- O que importa é que existe esse enorme preconceito lá: nem preto, nem “caboco”, nem pobre entra. Agora se você é remediado e empresta dinheiro para os graúdos...
- E o que a gente vai fazer? O Raimundinho mesmo anda preocupado...
- Ele não é besta gente! Ele só parece, ele ta sabendo do que o Dr. Benito é capaz, ainda mais quando ele é mandado...
- Ora Jorginho deixa isso pra lá, tu fala demais. Nós vamos, os quatro, e entramos como se não fosse nada. O teu pai e o nosso são sócios e a gente tem o direito de levar um convidado. E o Raimundinho já não foi a festas na Prefeitura?
- Ta certo, vamos arriscar...

Domingo bem cedinho os quatro se encontram, ainda com escuro, em frente à agência dos ônibus do Seu Edson, na Praça da Estação. Logo chega o ônibus, um Mercedes que ta ficando velho, mas ainda dá pra botar até o Camocim que é o fim da linha. O ônibus está lotado e já tem gente em pé, o que é proibido, mas não tem ninguém para impedir o excesso de lotação. Saem enfim e, naquela vagareza que impõe o Duda o chofer acostumado com a estrada, mas criado guiando um caminhão carregado de sacos de cera, chegam a Irauçuba. Quase todo mundo desce para comer paçoca, coalhada e tomar um café com queijo. O Raimundinho vinha com o estômago roncando de fome, pois em casa só tinha mesmo o café preto que sua mãe tinha passado. Os outros comem somente para engordar, pois tinham se alimentado suficientemente. Eles conversam um pouco e mostram excitação com a próxima chegada à Granja. Lá eles vão ver a sua terra, a terra de seus antepassados que eles gostam e respeitam, mas sentem um nó na garganta, todos eles, quando a vêem maltratada como agora. O Carnaval pode ser uma boa oportunidade para não lembrar muito dessas coisas. Vai ser festa e só festa.

- Não é Raimundinho? Pergunta Sileno com um olhar de aprovação dos outros.

Raimundinho diz:

- É mesmo. Eu vou é me divertir com a Delinha. E tu Jorginho vai mesmo procurar a Corina? E os dois marinheiros vão continuar com a Lúcia e a Adília?

Os três só sorriram, pois seus namoros com as meninas estavam longe de serem mesmo verdadeiros; para Jorginho seu namoro com Corina parecia ser questão de coragem que sempre lhe faltava; para Sileno e Zelito na certa não haveria problemas, pois eles sabiam que as meninas estavam caidinhas por eles. Enfim, todos esperavam um Carnaval de sucesso, a não ser pelo problema que eles antecipavam para o Raimundinho e conseqüentemente para todos eles.

Chegaram à Granja às cinco horas da tarde e cada um foi para sua casa. Para contrariedade de todos eles não viram nenhuma das meninas quando o Duda parou em frente ao armazém do Quiquito que fazia às vezes de rodoviária, pois não havia esse serviço na cidade e todos sabiam que não haveria por muitos anos a frente.

De longe ele vê seu Tio Pintor sentado em um banquinho no chão batido em frente de casa e, como sempre, fumando seu cigarrinho. Ao chegar, Raimundinho pede a benção e senta ao seu lado para dar as notícias dos pais e dos seus que ficaram na Capital. Os dois se entendem bem, pois o tio é dessas pessoas que dá muita atenção a gente jovem e gosta de contar coisas que aconteceram com ele e seus parentes. Quando chega a Tia ele começa a perguntar sobre a Delinha e sua família. Tem boas notícias, pois, diz a Tia:

- A menina ta cada vez mais bonita. E eu acho que ela ta mesmo esperando pra casar com você. O Tio diz:

- A gente gosta muito dela, é de família boa e parece que trabalha muito. Vai ser um casamento que vai dar certo!

- E ela vem sempre aqui, ver vocês?

- Vem e ela gosta de ouvir as coisas que eu digo. Traz histórias da rua pra contar pra gente.

- E o pai dela? Vocês se dão, não é?

- É verdade o Velho é boa gente, mas só bebe uma cachacinha todo dia com os amigos no Bar do Tata. Mas quem não bebe... Só eu...

A Tia olha pro marido e dá um rizinho, mas diz:

- Filho entra para arrumar tuas coisas e se lavar para a gente tomar um café. Na certa você quer ir logo na casa da Delinha, não é?

Raimundinho e a Tia entram e ele põe sua sacola na sala aonde vai dormir. Vai “lá fora” e lava o rosto na bacia da cozinha. Os três sentam-se à mesa na cozinha onde estão as xícaras para o café, pois ele trouxe um quilo da capital, presente de sua mãe. Após mais um dedo de conversa Raimundinho troca de roupa, põe um pouco de Leite de Rosas debaixo dos braços e vai até a casa da Delinha que fica na rua de trás, que também, como a de seus tios não tem nome, pois rua de cunha e “caboco” não tem. Ele espera passar essa primeira noite com a namorada, mas certamente vai ter de dar uma palavrinha com Seu Raimundo. Ao chegar, como ele já era esperado, todos estão à janela e saem para recebê-lo:

- Boa noite Seu Raimundo, boa noite Dona Isolda, diz ele encabulado, olhando para a namorada que está na soleira da porta, olhando para ele embevecida.

- Delinha, como ta você?

Ela nem responde, mas vai logo arrumando os banquinhos de madeira em frente a casa para todos sentarem. Dona Isolda logo pergunta ao menino:

- Raimundinho como tão os seus? Sua Mãe ta boa?

- Todos estão bem e mandam lembranças, mas continuam a ter saudades das vezes que vêm aqui.

- E os estudos Raimundinho? Pergunta Seu Pintor.
- Vou bem nos estudos e trabalhando muito na merendeira do Seu Pedão. Parece que ele está gostando do meu serviço, pois até me arranjou um dinheiro adiantado para eu viajar.

A conversa vai de noite adentro os da Granja querendo notícias dos de Fortaleza e Raimundinho sem tirar os olhos de Delinha, com vontade de ficar só com ela, para ver se os dois ainda sentiam as mesmas coisas que sentiram da última vez que se viram e se tocaram. Os assuntos nessa noite vão morrendo entre eles e finalmente o Raimundinho convida a Delinha para dar uma voltinha na “Venida”. Ela olha alternadamente para o pai e para mãe e vê que eles dão assentimento. Levanta-se do banquinho, passa a mão na saia e saem os dois. Quando dobram a esquina ele logo tira um pacotinho do bolso: é o presente que ele trouxe pra namorada, um batom, bem vermelho. Ela fixa os olhos nos seus e sorri agradecida:

- Obrigado, Raimundinho.

Eles dão-se as mãos e caminham até a “Venida” com sorrisos de satisfação. Nessa noite Raimundinho diz à namorada que não vai querer trabalhar na Granja, de jeito nenhum; não vai se sujeitar a essa situação em que se encontra o povo da cidade. Ele prefere qualquer emprego na Capital e depois se formar. Qualquer emprego que lhe dê tempo de estudar. Ela concorda e fica olhando pro seu caboclinho com muita ternura e diz que já pode muito bem ajudar, pois na casa da Dona Zefinha ela já ta aprendendo mais do que varrer a casa e passar ferro na roupa, a filha dela está ensinando ela a cozinhar. Raimundinho sorri e tem vontade de perguntar se Dona Zefinha e a filha esperam que a Delinha vá passar o resto de sua vida lá. Eles se olham ternamente e se acariciam. Permitem-se um beijo na face que passa rapidamente, depois de olhares vigilantes, a quentes beijos que lhes queimam os lábios e as línguas. Eles param por aí, pois decidem que se forem mais adiante, nada os controlará. Voltam para casa onde os pais de sua namorada estavam à sua espera.

Enquanto o Raimundinho está namorando na “Venida” Jorginho passa em frente à casa de sua paixão, pois era assim que os amigos falavam das meninas com quem ele dizia que queria namorar. A Corina era uma garota um pouco mais velha que ele e não lhe dava muita bola, talvez fosse por isso que ela o atraísse. Nessa noite ele conseguiu falar com ela na janela de sua casa. Ela estava com os cabelos cada vez mais louros e lisos, mas estava também bem mais bonita do que sempre fora, ou seriam seus olhos, pensou Jorginho. Ele teve coragem e lhe perguntou:

- Você vai na festa da terça?
- Vou e você?

- Eu vou também e já estou pensando que a gente podia dançar...

- Dançar no Carnaval, Jorginho? A gente faz é pular até cair de cansada. Mas eu lhe prometo que a gente vai pular bem juntinho, o mais juntinho que o Seu Pedro deixar. Estão dizendo que ele vai vigiar todo mundo na festa. Coitado dele, eu vou enganar o tempo todo. Você topa? Se não...

- Se não o que Corina?

- Deixa pra lá Jorginho, depois que você chegou eu só tou pensando em você...

Jorginho tremeu e soube ali que não iria dormir sossegado essa noite.

Na segunda-feira os quatro amigos se encontram na Barragem que ainda escorre um pouco de água e dá para se tomar um banho sem muito sobrosso. A sujeira velha foi lavada e a nova ainda é pouca. Eles passam um tempão jogando cangapé e chupando remela que tem muito na beira do rio. Do local em que eles estão dá para ver as lavadeiras em sua lida com a roupa, ora batendo, ora esfregando sabão, ora pondo pra quarar sobre as pedras. O que chama a atenção de todos eles é exuberância dos seios das “índias” - assim dizia um dos primos sulistas dos gêmeos -, sem que estivesse totalmente errado, expostos sem nenhum falso pudor para todos que os quisessem ver.

Depois do banho e do almoço eles, novamente reunidos, foram “pernar” pelos bares e bodegas, reconhecendo e tirando prosa com antigos colegas do Grupo e amigos mais velhos. Andaram pelos bares do Santino, do Seu Pedro e outros na Praça do Mercado. No do Seu Pedro chega perto o filho do Seu Paulino, bem mais velho do que eles, e pergunta:

- Vocês vão pra festa amanhã na Prefeitura? Todos responderam:

- Vamos!

- Até tu Raimundinho?

- Até ele mesmo! Respondeu o Sileno, antecipando-se ao amigo, tendo os outros feito sinal de concordarem.

- Então é isso aí, a gente se vê na festa.

Andaram mais um pouco e combinaram que no outro dia iriam até a Lagoa Grande para ver as obras de alongamento da parede. Parece também que alguém estava fazendo uma obra no meio da Lagoa e eles queriam ver.

À noite os gêmeos e Jorginho foram passear na “Venida” e ver se as meninas apareciam por lá, pois não havia festa na segunda-feira e assim as chances seriam grandes. Quando eles se encontraram perto do Cruzeiro da Igreja eles olham para todos os lados e, vêm que, das três, somente Lúcia e Adília estão passeando de braços dados. Corina não está e Jorginho fica decepcionado. Ele pensa “o que será que ela está aprontando?”. E fica imaginando milhares de coisas. Enfim... Ele volta para sua casa e os gêmeos vão passear com suas namoradas e certamente acertar alguns detalhes da festa de terça.

Quando Jorginho chega em casa vê que seu pai ainda está lendo os jornais no quarto, deitado em sua rede. O velho, quando ouve os passos do filho, chama-o:

- Vem cá, Jorginho...

- O que é Papai?

Seu pai entra logo no assunto que está lhe preocupando:

- Meu filho você acha que o seu amigo, o Raimundinho, deve mesmo ir para a festa de amanhã?

Jorginho fica surpreso e pergunta:

- Porque Papai? Tem algum problema com ele?

- O Seu Paulino me pediu para falar com você e dizer que o Raimundinho não pode entrar na Prefeitura, amanhã, para a festa...

- Porque Papai? Que história é essa?

- Ele me disse simplesmente que é porque ele é de segunda, caboclo, e eles estão fazendo uma seleção na sociedade. Ninguém sem a aprovação do Presidente nem da Diretora vai entrar. Ele justifica isso porque pretendem construir a sede do clube e assim a sociedade já estará purificada quando ela for inaugurada.

Do alto de seus dezoito anos incompletos, Jorginho diz:

- Papai, que estupidez! E você, o que disse?

- O que você acha? Eu disse que estava parecendo a Alemanha Nazista, com suas leis raciais! Mas ele disse que o pessoal do clube estava irredutível.

Jorginho baixou a cabeça para que seu pai não visse seus olhos úmidos e disse:

- Boa noite Papai, até amanhã. Saiu e foi sentar-se na sala com um livro entre as mãos e pensando em soltar as rédeas de seus demônios íntimos...

Logo pela manhã cedo Jorginho foi até a casa dos gêmeos chama-los para o passeio até a Lagoa Grande. Foram os dois aparecendo e ele contou o que seu pai havia lhe dito na noite anterior. Os meninos ficaram horrorizados e preocupados com o amigo, como ele receberia a notícia. Os três foram logo até ao Barrocão encontrar o Raimundinho. Ele estava na casa da Delinha conversando com Seu Raimundo. Como sempre, o velho estava contando histórias antigas, dos tempos das secas, que foram muitas e cruéis. Os amigos não quiseram interromper mesmo porque eles também gostavam de ouvir histórias da Granja antiga e Seu Raimundo era um mestre nelas. Eles se abancaram e o velho continuou a história sem antes lhes por a par do essencial.
Ele dizia que seu bisavô tinha vindo do sertão da Palma, com toda a família, pois lá tava ruim mesmo. Ele era marceneiro na Malhada Vermelha e quando chegou arranjou um bico, que é como se chama hoje, nas obras da construção da Câmara Nova e do Mercado. Ele era um marceneiro fino e fazia móveis, portas e muitas outras coisas. Um dia o Chefão pediu-lhe para fazer um molde das letras e nomes que iam ficar, em alto relevo, por cima das janelas da Cadeia; deu um trabalho danado, mas ele dizia que aquele de que mais gostou de ter feito foi o daquelas letras que ficam por trás da Cadeia: “ERAS FATAES! DE 6 DE NOVEMBRO DE 1877 A 25 DE JULHO DE 1878”. Ficou bonito, ainda hoje a gente pode ver lá. Os outros eram só os nomes dos Coronéis do tempo.

Quando o velho deu por terminada a conversa os três amigos de Raimundinho se entreolharam e, demonstrando respeito, se despediram chamando o amigo para o passeio na Lagoa Grande. Já nas proximidades eles passaram por uma infinidade de casebres levantados à beira dagua e que tinham uma pobreza tão grande ou maior que os do Barrocão: eram casas de taipa, algumas com a frente de tijolos e pintadas de cores vivas. Parece que as cores pretendiam esconder o que havia de miséria. Os quatro amigos foram caminhando pela margem e logo estavam sobre o aterro da parte leste da Lagoa. Aí eles encontraram um cavaleiro dando banho em seu cavalo e algumas crianças dividindo a água com patos e porcos. Jorginho lembra de ter vindo, ainda bem pixote, acompanhando o Flávio e outros, a uma caçada de marrecas. É verdade que ele não deu nenhum tiro, mas divertiu-se bastante com as mentiras contadas pelos amigos; o seu primo, então, era mestre nesse ofício. Eles estavam agora deslumbrados com a grandeza da Lagoa quando Raimundinho chamou atenção dos outros para uma construção que se erguia bem no centro da Lagoa.

- O que é aquilo, vocês estão vendo?

Nenhum dos outros também sabia o que era aquela estrovenga. Eles chamam o homem que estava dando banho no cavalo e lhe perguntam se sabe o que é aquilo, ali no meio da Lagoa. O “caboco” coça a cabeça, como que relutando, mas fala:

- Dizem que aquilo é o “masolé” do Dr. Severino, mas eu num sei não, pode ser outra coisa.

- E o que diabo é “masolé”, homem?

- Parece que é pra quando ele morrer ser enterrado aí.

- Ahn! V'ambora, disse o Raimundinho e os outros concordaram.

Eles se despediram na Praça do Mercado e combinaram um encontro no bar do CH antes de irem para a Câmara. Foram os quatro para suas casas. Raimundinho foi conversar com Delinha e decidir com a namorada o que fazer: se ia ou não pra a festa. Ele já sabia que ela nem tentar queria, pois sabia que ninguém iria concordar com ela, empregada da Dona Zefinha na festa dos brancos. Nem se falava nisso. Depois de alguma pouca conversa Raimundinho concorda com ela que ele também não deve ir. Mas ele vai no sereno ver o povo que vai entrar para ver se tem alguém de segunda com coragem para subir as escadas. Além dos garçons, músicos e mais gente que ia servir.

Lá pelas nove da noite os dois foram e ficaram em pé na calçada do Grupo. Ele tinha avisado aos outros que não iria e, apesar dos protestos, ele tinha notado certo ar de alívio no semblante dos amigos. É isso aí, pensou ele, não tem jeito não, quem nasceu pra cangalha, não dá para sela mesmo.

Quando os amigos chegaram para a festa, lá pelas dez horas, eles foram até onde o casal estava para um dedo de prosa. Foi aí que o Raimundinho notou que todos três já haviam bebido mais da conta, mas ainda podiam subir os dois lances da escada...

E foi o que eles fizeram ao som de uma marchinha cujos acordes se perderam no tempo... Chegando ao salão, já completamente lotado, eles descobriram cada um suas parceiras. A Corina estava com uma saia bem curtinha e um decote generoso que incitava o Jorginho a ter idéias profundas sobre a anatomia das garotas. Lúcia e Adília vestiam fantasias bem comportadas o que deixava os gêmeos meio desanimados, mas pensaram eles, vamos o ver o que acontece com o desenrolar da festa. Após uns quinze minutos de rodopios e pulos cada vez mais exagerados, os três jovens pares, ébrios do lança perfume distribuído pelo Sileno – ele deu uma bisnaga para cada uma das meninas – estão animadíssimos. Em uma volta do salão enorme se aproxima deles o Seu Paulino e fala, com sua voz mansa:

- Meninos venham cá, as meninas podem ficar. E vai para perto do biombo do mijador. Os três o seguem, já esperando alguma coisa estranha.

- Vocês não podem pular o Carnaval desse jeito.

- Mas de que jeito Seu Paulino? Respondeu Jorginho pelos três, imaginando que fosse por causa do lança perfume.

- Todo mundo usa seu Paulino. Disseram os gêmeos.

- Num tem nada disso. Vocês não podem entrar no salão e nem dançar com essas camisas, - elas são de manga curta. O Dr. Benito e a Dona Arilda proibiram a entrada de qualquer pessoa vestindo mangas de camisa. Não pode e vocês vão ter de sair.

- Mas, Seu Paulino, nós viemos de Fortaleza só para pular o Carnaval aqui e vocês vêm com uma dessas! Não é justo...

- Olha os pais de vocês estão sabendo disso e é ponto final. Vamos descer. Eu levo vocês até o corrimão da escada. Vamos.

Os três se entreolharam e olharam para as ampolas de lança perfume e acompanharam Seu Paulo até a saída. Ao chegaram perto do corrimão onde se agrupavam muitos amigos do mesmo tempo do grupo e algumas meninas, inclusive suas namoradas eles levantaram as mãos com as bisnagas e as arremessaram ao chão fazendo um barulho como se fosse uma tremenda explosão. Todos os circunstantes se entreolharam, mas não disseram coisa alguma, certamente com receio de uma possível repressão pelo Seu Paulino e pelo Dr. Benito que havia se aproximado para ver o desfecho da obra que ele comandara de longe.

Os três desceram os dois lances da escada atropelando muitos dos que estavam subindo fulos, mas sem nada poderem fazer. Era essa a "lei" do Dr. Benito e de Dona Arilda e do Clube deles. Logo ao descer eles viram o Raimundinho que, nesta altura, estava sozinho, parece que a Delinha já havia ido embora com suas amigas. Ele aproximou-se dos três e soube da expulsão. Os quatro, agora indignados, mas principalmente muito tristes, comentam com sua experiência limitada, como sua querida cidade, sem sair da escuridão dos séculos passados estava mergulhando na escuridão complementar deste meio século. Com um conformismo que não foi compartilhado por Raimundinho eles dizem:

- Felizmente vamos voltar logo!

Raimundinho diz:

- Jorginho, vamos amanhã no ônibus das oito?

O amigo responde:

- Vamos, mas...

- Mas o que rapaz?

- Vamos dar uma voltinha agora? Vamos meninos?

Sileno e Zelito respondem que não, pois vão viajar bem cedo para a California com o Coronel que havia chegado a pouco de Sobral. Eles então se despedem e saem pra Rua do Riachão onde moram.

Raimundinho e Jorginho seguem em direção à Rua da Loca e, perto, na rua de trás, eles vêm o Renato sentado na beira da calçada. Jorginho diz:

- Ô Renato eu ainda não tinha visto você. Como está?

- Tudo bem amigo. Vou bem mesmo.

Aí Raimundinho diz:

- Olá nego rei Renato tu não foi ver a festa do Carnaval?

Renato retruca, rindo:

Ora Raimundinho em festa de branco nem no sereno eu vou...

Sem ter o que dizer os dois continuam em seu passinho na direção já determinada. Bem na esquina com a Rua Lívio Barreto está o cabaré da Chica Eliana e eles, olhando de um lado pra outro, dão como que um pulo e logo se acham no meio do salão iluminado, mas com zonas bem sombreadas. Tomam uma mesa mais ou menos na penumbra, pedem duas doses de gim com gelo e ficam observando as garotas que se oferecem em mesas. Daí a pouco Jorginho diz para Raimundinho:

- Será que aquela moreninha ali sozinha é também...

- Que é isso rapaz! Que diabo ela faz aqui se ela não é da casa? Tu quer ir com ela?

Jorginho assentiu com a cabeça e daí a pouco a Izinha, pois este era o nome da mocinha que estava com eles. Ela não era mais do que uma menina de seus vinte e poucos anos. Era bem bonita com uma pele de cobre brilhante e olhos bem repuxados, como se fosse uma indiazinha que tivesse saltado de uma gravura de Debret. Jorginho ficou entusiasmado e logo estava perguntando, sob o olhar crítico de Raimundinho, de onde ela tinha vindo e mais besteiras. Izinha parecia divertir-se com as perguntas infantis daquele meninão nervoso. Ela bebia um pouco de cerveja quente e, quando terminou o copo pediu um outro, no que foi prontamente atendida. Raimundinho já estava se cansando daquela conversa a dois e decidiu ir embora.

- Pois ta bem Jorginho, amanhã a gente se encontra no ônibus, as oito, hein? E olhando para Izinha lhe dá adeus.

- E agora? Perguntou Jorginho a Izinha.
- Agora, seu bobo. Agora é cum nóis. Vamo.

E saiu puxando sua presa pelo braço até o quartinho e uma rede que recendia a humores presentes e passados.

No comments: