Saturday, May 08, 2010

CONTOS DA RIBEIRA 33


SONHANDO ACORDADO

A viagem até a Ribeira foi longa apesar de terem ido pela estrada nova. Foi longa também porque eles pararam no meio do caminho para tomar um café e no café encontraram uma menina que os encantou, minto que encantou a Haroldo. Ele chegou até a prometer alguma coisa que ele não lembra mais à mocinha, pois era uma mocinha. (...)


Ao retomarem a viagem ele quis dirigir o velho Passat, mas o Pedro, motorista de munheca firme e cheio de vontades, não permitiu. E não permitiu porque estava vendo que ele estava quase fora de si, isto é, lá dele. Daí a algumas poucas horas mais eles chegam na Ribeira e ele viu, ou melhor, sentiu que estava completamente doido. Não doido mesmo desses de correr na frente do trem ou rasgar dinheiro, mas estava doidinho; ele sabia que ela estava se instalando desde alguns dias antes, mas queria viajar e tudo mais. Ele chegou a ir ao Dr. Cezídio que era mesmo neto do grande deputado, mas ele disse que estava tudo bem que podia ir e se divertir... Tivesse cuidado com ela e ela. Ou melhor, com elas. Para uma delas ele levou remédio, seria um contra veneno? Para a outra levou chocolates. Pois bem quando chegou foi logo correndo para o quarto aquele em que seus pais haviam morrido, o velho de fome e a mãe depois de saudades. Ele ficou sozinho deitado ora na rede branca que a Chica havia armado ora sentado na cadeira de balanço que ficava logo ao lado. Ele não dormia e nem ficava acordado. Entretanto ficava sempre sonhando pensando e sentindo o cheiro ativo das flores de jasmim branco que logo, logo, não mais seria. Nessa noite, alta madrugada, ele estava balançando na cadeira quando sentiu um cheiro forte agora de rosas quando viu em pé à sua frente uma mulher, uma senhora, certamente. Ela era uma senhora já meio entrada nos seus sessenta anos. Estava envolta em um traje branco, diáfano, através do qual se viam suas formas e sombras escuras. Ela logo começou a falar, puxando conversa com ele. Dizia-lhe que ainda seria muito feliz e ele se perguntava se isso seria no sonho ou fora dele? Mas eu não sou ou não fui feliz? Só por causa dessa pequenina depressãozinha que já dura três anos eu não sou feliz, minha senhora? Eu sou feliz ao meu modo. Ela quis saber que modo era esse. E ele lhe disse o modo da quietude da calma dos sonhos imprecisos da preguiça e do bolor da rede. Tudo bem, mas você, eu insisto, vai ser muito feliz. Ele insistia em saber como seria feliz: ganhar na loteria federal e ficar feliz, tirar o prêmio Nobel e ficar feliz, ser eleito deputado e ficar mais feliz? Como seriam esses sinais de felicidade? Ele falou para a senhora de branco que continuava em pé à sua frente e perguntou-lhe e se não quisesse essa felicidade que ela estava por força querendo empurrar por sua goela abaixo? O que seria dele? Ele teria de escolher entre o Dr. Cezídio e o Dr. Pinto? Só para ser um pouquinho feliz, sem loterias, prêmios ou deputanças? Só queria ver-se livre dela, aquela companheira indesejável que já por pelo menos 300 anos o perseguia? Interceda por mim minha santa senhora!

4/2010

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