Saturday, March 13, 2010

CONTOS DA RIBEIRA 29



CHINANAN E SEU PINTINHO ALADO

Toda a família viajou na carroceria; o pai, a mãe e a tia iam na boleia do caminhão do Milton para as Caraúbas para passar quinze dias. Era o tempo da festa de Nossa Senhora e quase toda a cidade se transportava para lá. Mal chegaram lá os meninos viram que os amigos do Grupo Escolar já haviam chegado e se espalhavam pela rua brincando. Eles iriam logo se juntar a eles para começar as traquinagens. (...)


Toda a meninada, nesse tempo da festa, passava as manhãs caçando canários com alçapões e calangos no laço; estes eram torturados em verdadeiros autos de fé inquisitoriais e seus restos jogados no mato para os gatos. Essas caçadas aconteciam principalmente nos quintais das casas que tinham a frente para rua principal e eram cheios de cajueiros e mangueiras. Os meninos trepavam nos cajueiros e ficavam pulando desses para os muros procurando os calangos. Quando se cansavam das caçadas desciam e atravessavam a estrada que dava para o cemitério, não para ver as almas como pensavam encontrar algum dia, mas para caçar os canários nas matas de marmeleiro que ficam depois dele. Nessas empreitadas passavam em frente ao abatedouro do Seu Zé Felício para ver se tinha alguma caveira de boi pregada no cajueiro da frente: o velho marchante usava o expediente de pregar a cabeça de um boi recém abatido no tronco do cajueiro para afastar os ladrões; ninguém acreditava que isso fosse possível, mas mesmo assim ele fazia. Um pouco antes do sol a pino eles iam todos tomar banho no açude que na época estava com água nova e não dava coceira. As mães de muitos deles não tinham a menor idéia de onde andavam ou do que faziam seus filhos nessas manhãs de brincadeiras; todos vestiam calças curtas com suspensórios feitos do mesmo tecido e sem nenhuma proteção, pois não existiam cuecas para meninos naqueles tempos, ao contrário das meninas que andavam mesmo só de calcinhas, geralmente imundas. Elas nunca os acompanhavam nas brincadeiras das manhãs. Após o almoço em casa, pois se não estivessem presente não comeriam - passariam por debaixo da mesa – eles se reuniam novamente, sempre em frente da casa do Jorginho onde tinha uma areia fofa, para brincarem de bila, triângulo e outros jogos dos quais as meninas tinham permissão de participar. Os jogos eram sempre disputados a dinheiro, melhor dizendo a cédulas de cigarro, pois era um verdadeiro vício a mania de colecioná-las; havia as valiosas, as muito valiosas e as pebas: essas eram Continental, BB, Colomy e outras, as valiosas eram Peito de Vaca, Hollywood e as muito valiosas eram as americanas Lucky Strike, Phillip Morris e por aí vai. Jorginho era um verdadeiro capitalista, no que diz respeito ao dinheiro de cédulas de cigarro, pois tinha fornecedores de carteiras de cigarros americanos e isso lhe dava uma vantagem grande. Os outros meninos trabalhavam com o volume, pois as cédulas menos valiosas eram encontradas aos montes. As bilas eram compradas na bodega do Vicente na cidade e eles tinham de trazer de lá, pois nas Caraúbas era mais difícil compra-las. As brincadeiras da tarde iam até a noite, entrando pela hora da janta o que novamente causava aborrecimento, pelo menos na casa do Jorginho, às empregadas como a Fransquinha que engrossava com a criançada por não deixar o quindim dela – o dito Jorginho – livre para o banho de cuia e a refeição.
Dos meninos que moravam na vila todos gostavam mais era do Chinanan; ninguém nem ele mesmo sabiam por que o chamavam assim, mas isso não importava, ele tinha os olhos amendoados como um verdadeiro indiozinho ou um chinesinho, daí talvez viesse a alcunha; ele já tinha uns nove anos, e era meio entanguido de modo que parecia ser bem mais novo do que os outros, da cidade, bem nutridos e bem lavados. Nele era tudo ao contrário: não comia e não tomava banho, mas no tempo da festa comia bem mais e tomava banho no açude o tempo todo; depois da festa parecia até um porquinho cevado e bem lustroso, ficava uma maravilha. Mas o moleque era sem vergonha, pois tirava prosa com todos os outros e até com os mais velhos; e todo o mundo gostava dele. Chinanan morava com sua avó que a todos os meninos e mesmo aos adultos parecia ser uma índia dessas que conseguiram sobreviver por séculos afora. A velha vivia de favores dos brancos que moravam na vila e, durante a festa emprestava seus conhecimentos culinários a algumas famílias da cidade que gostavam de comidas estranhas como galinha seca e à cabidela e beijus e bolos manuê e chá de burro e cuscuz e por aí vai. Ela ganhava um dinheirinho que dava para comprar roupas para os dois que bastariam até a festa seguinte. Chinanan não ia à escola, sua avó havia decidido que ele não precisava, tinha mesmo era que aprender a ganhar a vida, sem estudo algum. Os amigos gostavam de ouvir Chinanan contar suas histórias de aventuras fantásticas contadas nas rodas em frente da casa, principalmente a de Jorginho. Uma dessas histórias era a mais apreciada. O moleque tinha uma verdadeira fixação pelas viagens espaciais sobre as quais ele tinha-se inteirado ao ver fotografias em revistas e em sessões ocasionais do cinema do Chico Ponte que levava sua máquina para as Caraúbas no tempo da festa. Ele viu na Careta e ficou muito impressionado com a foto de um pequeno morcego preso a um foguete que estava pronto para subir ao espaço. Ele nem imaginava o que de ruim pudesse ter acontecido com o animalzinho, pois pensava em seu ídolo Batman para justificar seus anseios. Certo dia os companheiros descobrem que o menino tinha o hábito de mostrar seu pequenino membro e expandir lateralmente o saco escrotal numa imitação das asas de um pintinho, como ele dizia e falava que ele, pintinho, estava se preparando para uma viagem ao espaço. Todos os meninos, e as meninas também, adoravam ver o Chinanan fazer essa arrumação e por isso pediam ao menino para fazer morceguinho que era como os outros chamavam seu pintinho alado. Fza 1/8/09

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