Saturday, January 30, 2010

CONTOS DA RIBEIRA 25


A VOZ DO DONO
A eleição estava chegando e, como sempre, o Coronel Rodrigues era o candidato de sua própria preferência. Se fosse eleito seria a quarta vez que ele iria dirigir os destinos da Várzea. Não tinha esta história de “se” não, mas os tempos parecem que estão mudando e ele queria se precaver contra qualquer problema. (...)
Os homens na Capital estavam muito preocupados com aquele jornalista da oposição, o dono do “Universo”, que lhes enchia a paciência com as mais torpes acusações e denúncias. A imprensa é sempre assim: é do contra eternamente. Mas eles iriam fazer dessa vez uma eleição pra ganhar de lambuja mesmo. Já tinham até comprado um jornal, ou melhor, o dono do jornal “A Província Livre” tinha passado para seu lado a custa de muito incentivo. Faltando poucos meses para a votação o Coronel não podia se manifestar na praça nem mesmo dentro do Mercado que estava em obras, pois os bestas diziam que ele estava usando o tempo e o dinheiro da Prefeitura para fazer campanha. O que não era verdade nem tampouco mentira. Certo dia ele estava folheando os jornais, ele que mal sabia ler, pois era analfabeto de nascença, quando se deparou com um anúncio vistoso. Estavam anunciando um aparelho americano, uma verdadeira estrovenga, ao que lhe parece e que lhe chamou a atenção. Era uma máquina de fazer som e o anúncio dizia que estava a venda na Loja do amigo Jesuíno na Capital. Pelo pouco que ele entendeu do anúncio logo vislumbrou um emprego para a tal máquina na preparação de sua eleição. Chamou o Major, seu filho mais velho e herdeiro por determinação divina de todos os seus bens – privados e públicos -, e lhe deu ordens para ir até a Capital e se inteirar do assunto dessa tal máquina. Quando o Major chegou a Loja do amigo Jesuíno falou do interesse que o Coronel tinha pela nova máquina. O amigo chamou o técnico americano que estava à disposição da freguesia para fazer demonstrações da máquina e pediu-lhe para fazer testes para o filho do Coronel. Eles certamente comprariam um exemplar. O mister mostrou a máquina ao Major e fez uma demonstração convincente das qualidades e potencialidades da máquina. O técnico lhe disse que o aparelho, pois era um aparelho, vinha acompanhado de rolos onde estavam gravadas as peças de música e de fala que o aparelho reproduzia quando em funcionamento. O técnico também adiantou que se ele e o Coronel o desejassem poderia preparar alguns rolos com músicas patrióticas, regionais e mesmo a fala de quem eles quisessem reproduzir; isso talvez fosse muito bom para apresentar em reuniões e comícios eleitorais. O Major ficou entusiasmado e logo deu a ordem ao amigo Jesuíno para pagar ao mister o custo de uma máquina e mais todos os apetrechos, pois ele queria levar logo para a Várzea e por em funcionamento a coisa. Encomendou também alguns rolos para gravar músicas da região – manera o pau, cateretê, etc. – e falas apropriadas para a campanha. Ele mesmo decidiu o que e quem gravaria essas falas. Consultou o Coronel pelo Telégrafo Nacional e teve a aprovação do Velho para fazer isso. O próximo passo do entusiasmado Major foi procurar entre artistas do Teatro da Praça alguém que soubesse imitar vozes. Ele queria gravar a voz de personalidades, mas não queria pedir a elas que o fizessem. Acreditava ser mais simples encontrar alguém com voz parecida e gravar logo o que ele achava ser importante e não ter de negociar - em todos os sentidos - com as tais personalidades. Sua escolha recaiu sobre o Fransquim, meio palhaço meio ventríloquo praticante da arte de imitar os colegas e políticos da vez. Ele foi apresentado ao mister americano e a maquina e aos rolos de gravação. O Major passou-lhe textos para que ele logo lesse em frente da estrovenga gravadora, pois ele precisaria levar para a Várzea para o comício que se aproximava. O Fransquim leu diante da máquina o texto escrito pelo Major, certamente sob a orientação de seu pai e que dizia: “Povo da Várzea! Eu falo agora proceis recomendando o nome do Coronel Rodrigues para ser votado Prefeito da linda cidade da Várzea. O Coronel Rodrigues é um home honesto e eu tenho certeza de que ele vai fazer um governo mais honesto do que os outros que ele já fez! Votem no Coronel Rodrigues para Prefeito da Várzea.” Logo que ele terminou o Major olhou para o amigo Jesuíno com os olhos arregalados e disse: - Amigo Jesuíno esse que falou aí, se não é o Comendador Acioli, é o espírito dele!


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