Saturday, January 23, 2010

CONTOS DA RIBEIRA 24


DEDO DE PROSA

Ele entrou no Mercado sem deixar de puxar um dedo de prosa com o Seu Dezim, o vendedor de relógios. Este insistia em vender-lhe um cebolão desde que soube ter Airton sido assaltado e seu belo relógio de pulso ter sido tomado pelo “coisa doida.” (...)

Mas ele queria era mesmo ter um dedo de prosa com o Heraldo em sua bodega de dentro do Mercado. Heraldo era um violento oposicionista da atual administração. Não deixava de criticar qualquer iniciativa que o “Homem” e seus cupinchas tomavam em prol da cidade, o que na verdade não tinha nada de favorável – era sempre alguma coisa que se via já de princípio ser prejudicial. Na conversa que os dois tiveram nessa ocasião foram lembradas algumas iniciativas que o “Homem” andava espalhando iria tomar em prol do melhoramento da cidade. Havia umas coisas gozadas como a promessa de que o atual secretariado seria em breve reformulado: sairia o Dedé e entraria o Dada para a Secretaria de Apoio Geral. Os dois riram, pois sabiam que o primeiro não largaria o osso que já ia meio roído, mas ainda tinha um pouquinho de carne presa. Outro assunto em pauta foi aquele sobre o qual andavam falando que seria em breve construído um grande galpão para abrigar os pedintes e pobres da cidade; a finalidade era permitir às pessoas que quisessem dar esmolas dirigirem-se a uma central de mendigos e não esperar que eles lhes abordassem nas ruas; isto seria um avanço entre as muitas cidades do Estado. Os dois amigos criticaram, mas viram que talvez isso fosse uma solução para o caso dos pedintes: eles estavam na proporção de 2 para 1. Ainda outro assunto da pauta de Airton e Heraldo foi a notícia de que um dos vereadores da situação estaria apresentando diversos projetos em benefício da população e que se traduziriam em um aumento de renda de quase zero para quase nada. Enfim, parece que isso era visto como um imenso progresso. Mas, empanando esse possível sucesso a enorme burocracia e a necessidade de se obter licença para quase tudo era um perigo à vista. A certa altura da conversa eles resolvem chamar Seu Dezim, pois parece que ele tinha informações mais recentes sobre todos esses problemas. O velho vendedor de relógios tem um filho que é agregado à Prefeitura, isto é, ele recebe dinheiro, mas não trabalha e de vez em quando ele apura os ouvidos e capta algum boato. Seu Dezim conta que seu filho havia chegado pra ele e dito que o “Homem” estava dizendo que o problema que eles tinham na cidade era da demora na liberação total das verbas federais e estaduais que os deputados amigos diziam haver conseguido. O “Homem” dizia que o povo precisa ter paciência, pois do contrário nada de proveitoso se faria. Dizia-se também que estariam reapresentando o projeto, mas o problema é que havia muita burocracia e os licenciamentos atrapalhavam tudo. Falavam também que tinha havido um atraso de seis meses na análise do projeto. O que o gestor pode fazer? Não tinha obra antes; não se faziam mais obras... Tem o problema da chuva... Este ano foi atípico, não temos hábito de trabalhar assim, não temos essa tecnologia, não nos preparamos para isso. O projeto tão badalado era o de recuperação das estradas municipais destruídas pelas enormes chuvas debitadas ao aquecimento global. Com a ajuda de Seu Dezim e do filho os dois passam a discutir sobre outras iniciativas do “Homem” e dos gestores como aquela de asfaltar todas as ruas da cidade.

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