Saturday, January 02, 2010

CONTOS DA RIBEIRA 22


VIAGEM INVESTIGATIVA


O fusca creme já estava em frente à Casa Grande pronto para a viagem e foi só uma questão de ir ao posto para abastecê-lo e verificar a água do radiador e calibrar os pneus. O frentista, seu conhecido, aceitou o cheque do Banco do Brasil, pois eles não tinham dinheiro, somente uns trocados para a viagem, talvez tomar um café com tapioca na Caçapoeira. (...)



Tocaram para a estrada e, sem uma palavra, viajaram por quase uma hora. Ele, como de costume, fazendo jus à sua proverbial falta de educação, não dava uma palavra com sua irmã, só pensava. Essa era uma viagem que ele tinha inventado fazer com Norma a fim de pô-la a par de seus problemas sentimentais. Ele não tinha coragem de abordá-la diretamente e, precisou fazer um pouco de teatro dizendo que precisava viajar com ela para a Lagoa Vermelha em busca das raízes de uma família da qual estava interessado. Guiando, ele pensava como nesses últimos dias nada de importante tinha acontecido na bodega, ninguém tinha feito qualquer fuxico, por exemplo. Subitamente, talvez por uma total falta de assunto, falta do que dizer mesmo, nem que fosse alguma coisa criada na hora, Miguel abre a boca e, antecedido por um profundo suspiro, fala para a irmã sobre seu relacionamento com Judite. Era mesmo muito estranho o que ele sentia pela menininha - era assim mesmo que ele queria se referir a ela, pois ela só tinha dezoito anos e dizia que era de sua mesma idade, referindo-se aos seus já cansados trinta e oito!
Miguel não entendia nada do que estava se passando com ele: descobriu estar totalmente dependente da menina. Isto é, dependente de seus olhares, seus pequenos gestos cujo significado ele procurava entender e entender como os dele – de fascínio. A imagem que sempre trazia em sua mente era aquela de quando a vira pela primeira vez, sentada em um banquinho de madeira em frente à bodega onde trabalhava. A menininha não era bonita, mas ele confessou para a irmã achá-la charmosa demais. Quando o seu interesse por ela começou, achava que fosse inteligente e de modos educados. Essa impressão foi se modificando de tal sorte que a inteligência foi totalmente dissociada de seus modos, pouco a pouco. Ela era inteligente, aliás, era não, é inteligente e isso, para ele era um desastre. Miguel achava que sua inteligência seria suficiente para modificar seu comportamento estouvado; diga-se também que de estouvado não havia muita coisa, pois ele, desde cedo, classificou os modos de agir da garota, como de extremamente mal-educados, pareciam mesmo um comportamento escoicinhador. Ele dizia a sua irmã, bem mais nova que ele, mas ainda assim mais velha que a menininha que esperava, ao lhe contar essas histórias que ela lhe ajudasse a entendê-la, pois isso se tinha tornado um ponto de honra. Sua irmã falou que já sabia de seu interesse por ela, - aliás, todo mundo na Vila sabia dessas suas investidas, pois Judite era filha de uma amiga da família, - perguntando-lhe se não sabia. Miguel disse que não, nunca a tinha visto e nem tinha conhecimento de qualquer ligação entre suas famílias. A irmã disse-lhe então que ela era filha de uma amiga de sua irmã mais velha e que era sua afilhada, uma dessas dezenas de afilhadas que o casal tinha. Todos os sábados chegavam os pais trazendo os filhos bebê para batizarem achando que o casal teria poderes mágicos para cuidar das crianças; não era isso que se esperava dos padrinhos? Ao chegarem a Caçapoeira desceram e se dirigiram à casa de morada do amigo e parente Fontoura que sempre tinha um café gordo com tapioca bem fininha e um bom queijo de coalho curtido. O Velho gostava de uma conversa principalmente quando se tratava de parentes como eles eram. Infelizmente para Miguel, depois de uma sondagem e sob os olhares críticos de sua irmã, ele descobre que o Velho não sabe nada sobre Judite e seus pais. Pudera! Eles são do outro lado do Rio e não poderiam mesmo se conhecer. Os dois ainda estavam sentados à mesa quando apareceu, vindo a cavalo, um rapaz morador em uma fazenda perto que apresenta à sua irmã um bilhete de seu pai pedindo que ela vá imediatamente a sua casa atender a doente necessitado de cuidados médicos urgentes. Eles acham que está havendo uma pequena confusão, pois o rapaz acha que ela é a médica que encomendou umas peças de palha de carnaúba, recebeu e não pagou. Desfeito o engano, pois ela nem é médica e nem encomendou coisa alguma Miguel volta para o Fusca e buzina freneticamente chamando sua irmã que, essa agora, quer encompridar a conversa com o Velho e sua filha que acabou de chegar. Finalmente a irmã entra no carro, reclamando bastante. Daí a meia hora eles chegam a Lagoa Vermelha e vão direto para o cemitério onde tentam localizar o túmulo do Coronel Joaquim José Silvestre fundador de um ramo importante das famílias da Vila. Logo encontram o túmulo de José Joaquim Silvestre morto em 1982. E depois um outro de José Joaquim Silvestre falecido em 1901 e um terceiro Joaquim João Silvestre falecido antes da proclamação da República! Após terem registrado as inscrições eles vão até a Lagoa Vermelha e lá falam com um senhor, já bem idoso, de nome Joaquim Silvestre Sales que diz ser filho de José Joaquim Silvestre aquele que está sepultado logo na entrada do cemitério. Os dois almoçam em um boteco na beira da estrada e, Miguel, com sua cabeça funcionando a mais de mil, toma a decisão de não mais querer saber nada sobre Judite e sua família.

15/8/09


Quadro de Edgar Degas (A Young Girl Stretched Out And Looking at An Album) em AllPosters.com

No comments: