Wednesday, May 27, 2009

HISTÓRIAS DE JORGE RAPOSO 15


Canoa na bruma

A cidade havia amanhecido sob uma densa bruma que, certamente, iria permanecer por muitas horas sobre os escombros dos incontáveis casebres de taipa da Beira do Rio, já destruídos pelas pesadas chuvas. Jorge estava lá perto, sentado em um banquinho de madeira em frente à bodega do Tito, fumando seu inseparável cachimbo e apreciando a correnteza que, de vez em quando trazia um animal morto pelas enchentes. Será que ele veria o corpo de algumas das pessoas que haviam desaparecido lá pela Boca do Acre e certamente desceriam as águas até o mar? Não custava nada esperar e matar sua curiosidade. Não demorou muito tempo e, num resto da madrugada, ele viu uma canoa passar bem em frente; apertou o olhar e conseguiu ver três vultos: na proa ia o Talzinho, logo atrás ia Talfilho e, remando, com força parecia o gerente da loja. Esta embaixada estacou em frente ao armazém onde se guardavam os mantimentos doados por dezenas de pessoas para serem distribuídos entre a população afetada pela catástrofe – eram centenas, senão milhares. Jorge viu que sob as ordens de Talzinho, os outros dois homens desceram, arrombaram a porta do armazém com um pé de cabra e encheram a canoa com tudo que era gênero: feijão, arroz, farinha, óleo e o que coube dentro da canoa. Ele ficou só imaginando para onde eles iriam levar aqueles alimentos já destinados ao povo faminto da sofrida cidade.

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