Wednesday, May 13, 2009

HISTÓRIAS DE JORGE RAPOSO 13


Túnel sem fim


Nos últimos tempos Jorge utilizava toda a energia que possuía para dedicar-se a um de seus passatempos preferidos: manipular seus pensamentos e diálogos solitários; exercitar-se até encontrar algum bom proveito para eles e não somente contrariedades, como era de costume acontecer. O local preferido por ele para esses estranhos exercícios era sua cadeira de rodas com os seus livros, revistas e jornais. Este era o local preferido, mas eles chegavam a toda hora e em qualquer lugar, por exemplo, quando estava caminhando na Beira-mar. Na cadeira ele como que se preparava para essas sessões ao ler algo interessante que, contraditoriamente, ao invés de mantê-lo acordado, lendo, fazia com que ele divagasse e entrasse em alfa, como dizia Vanessa.

Nessa manhã ele começou a pensar em uma viagem de trem que havia começado lá longe na Cidade. Jorge havia comprado passagem só de ida que lhe dava direito a um beliche e café da manhã. Para almoço e jantar ele tinha de ir ao carro restaurante e, como os demais passageiros, fazer seu pedido a partir de um cardápio limitado e pagar do próprio bolso.

A princípio o trem seguia devagar cruzando campos, vales e, raramente subindo, ultrapassar um morro. Ele podia descer em algumas das paradas e demorar alguns minutos; às vezes essas paradas eram mais demoradas, mas nunca mais de meia hora. Lembra-se de uma das primeiras vilas em que parou o trem. A pequena estação ficava próxima a um açude e, de longe ele via crianças tomando banho na água que parecia limpa. Havia vendedores de tudo, mas se destacavam os que vendiam peixes fritos. Após poucos minutos o trem continuou em marcha lenta e alcançou uma cidade grande, muito maior que a primeira e onde a demora na estação foi condizente com seu tamanho. Ele desceu para estirar as pernas e dar uma olhada. Havia perto um enorme mangueiral que dava muita sombra e sob o qual havia muitas crianças em fila recebendo um saquinho com balas das mãos de um senhor sentado diante de uma pequena mesa.

A viagem prosseguiu calma e vagarosamente até que o trem atingisse outra cidade. Esta era bem maior que a segunda e ele esperava que a demora fosse também maior. Não foi, mas deu tempo a ele de ver, ao longe, o burburinho da cidade grande. Então o trem prosseguiu viagem, sem parar por muitos quilômetros. Chegaram então a outra cidade que era muito maior do que qualquer outra que ele jamais vira. A demora aí foi a maior até então. Todos os passageiros desceram e tiveram tempo suficiente para visitar uma das principais praças da cidade. Lá havia uma estátua equestre de um general que havia participado da Guerra Grande. Tiveram que voltar ao trem, pois a partida estava marcada para dentro de alguns minutos e como a praça era perto da estação todos foram mesmo a pé.

O trem partiu e, dentro de poucas horas, atravessou um pequeno túnel, talvez de um quilômetro, escuro, tão escuro como breu. Jorge teve a sensação de que aquele escuro não ia terminar nunca. Felizmente em poucos minutos o trem chegou ao termo do túnel que se abria para um enorme vale repleto de casas que, do alto e de longe, pareciam casas de brinquedo. O vale aparentava ser fértil e o que ele estava vendo eram fazendas de gado, pois dava para ver as rezes pastando e o formato dos currais, perto das casas.

A viagem continuou sem acontecimentos marcantes; o trem deslizava mansamente sobre os trilhos tal qual um navio sobre águas calmas; de vez em quando o maquinista acionava o apito, dando sinal de si ou para espantar algum animal deitado na linha. Muitos quilômetros depois desse vale, quando uma cadeia de montanhas que já aparecia no horizonte há tempos, foi alcançada, o trem penetrou em um túnel bem maior do que o primeiro. O túnel era muito escuro e úmido e tinha uma extensão de uns dois ou três quilômetros. Jorge ficou novamente apreensivo devido à escuridão e a uma sensação de umidade pegajosa. Quando finalmente o trem saiu para o claro ele viu novamente um vale imenso e fértil que o alegrou bastante. Agora o vale era plantado em toda sua extensão e planura com cana-de-açúcar. Era uma imensidão de verde a perder de vista. O trem continuou apitando quase sem parar e ele sentiu que mergulhava em um sono calmo.

A viagem prosseguia sem novidades. Era só dormir, tomar café, esperar pelo almoço e o jantar, e ler. Ler muito e de tudo, pois ele havia levado um bom suprimento de livros para essa viagem. Subitamente, após ter acordado e sem mesmo ter tomado café ele ouviu um silvo longo e o trem entrou em um novo túnel. O trem entrou nesse túnel, escuro e úmido como os anteriores. Passaram-se as horas e o tal de cavalo de ferro não chegava ao fim da escuridão. Aliás, nunca chegou, por mais que Jorge quisesse.

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