Tuesday, March 17, 2009

HISTÓRIAS DE JORGE RAPOSO 6

Paris, Avenue Pétain

Deitado na sua rede vermelha Jorge pensava, nessa tarde, na temporada passada na França. Assim que chegou a Paris ele foi para um hotelzinho que ficava bem perto da Sorbonne onde iria estudar. Após as formalidades de matrícula e do exame de francês ao qual se submeteu e, no qual, com surpresa, foi aprovado, tratou de procurar um apartamento. Penou durante dois dias, caminhando pelas ruas perto da universidade, com o jornaleco que trazia anúncios de apartamentos e vagas em repúblicas. Não achou um sequer e, desesperado, essa era mesmo a palavra toda vida odiada por ele, mas cabia bem na situação, procurou o escritório de ajuda da universidade e foi consultar uma senhora que cuidava de apartamentos bem próximos à universidade. Ao chegar ao bloco de apartamentos da Avenue Pétain apresentou-se a Madame Viot e, quando ela soube que ele era brasileiro tudo se modificou. Contou-lhe, a simpática velhinha, que havia trabalhado na Embaixada de seu país no Rio, tendo conhecido o Presidente e sua esposa, por sinal, no dizer dela, ambos muito simpáticos. O resultado é que ao fim do quarto dia em Paris ele estava alojado com outros três companheiros em um apartamento espaçoso no prédio do qual ela era a gerente. Não seria por falta de espaço que os quatro brigariam nessa intimidade, nova para ele. Seus companheiros eram o Raymond Shieh, ex-piloto da Força Aérea de Formosa que faria mestrado em Física; o Oswald Sawabimi, jordaniano cuja família morava na cidade, aluno de graduação, um “bon-vivant”. Jorge sempre recorda hoje de Oswald e imagina se ele ainda vive e como estaria vendo o atual quadro no Oriente Médio; ele era radicalmente antiocidental! O outro companheiro era o Bob, um americano de Iowa. Jorge e ele nunca travaram diálogo que fosse interessante e o brasileiro nunca conseguiu gravar seu sobrenome. Ele faria pós-graduação em Sociologia.

Os quatro reuniram-se logo na primeira noite para traçar algumas regras básicas de convivência. Tudo era novo para ele, pois fora a experiência militar no Tiro de Guerra, nunca tinha morado fora de casa. Raymond avisou logo que não entraria na cota para alimentação, pois ele tinha seus costumes e compraria comida e faria suas próprias refeições. Restaram o americano, o jordaniano e ele para racharem despesas. O jantar seria preparado por Oswald, os pratos, Jorge os lavaria e o americano ajudaria na limpeza, além de comer demais. Esse arranjo não demorou muito tempo, pois o americano desistiu e, escondido usava a comida dos outros, principalmente os queijos e vinhos. Oswald e Jorge ao descobrirem isso quase o matam. Consumada a separação daí a pouco os dois notaram que o americano continuava roubando seus suprimentos. Houve um novo pega violento que só terminou com a retirada do americano do campo inimigo ou amigo dependendo de que lado se olhasse a coisa.

Estudar era sua missão de todas as noites. Não tinham televisão, mas ele comprou um radinho para ouvir música e se embalar enquanto estudava os assuntos indicados por seu orientador depois que ele o sondou sobre sua famosa sabedoria. Esta, lá, simplesmente não existia. Havia os cursos e seminários semanais, de freqüência e domínio obrigatórios dos assuntos tratados. Era uma carga extremamente pesada para alguém que ainda não dominava a língua e sem acesso aos bancos de respostas dos alunos veteranos. O fim do semestre trouxe os resultados: ele havia passado em somente uma das quatro disciplinas que cursava e isso era imperdoável, não só para ele e seu ego, mas para o seu orientador que tinha tido um interesse por ele acima da medida.

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