Saturday, October 31, 2009

CONTOS DA RIBEIRA 14


CINEMINHA

Marco era um voltante do Maranhão onde fora em busca das origens do Coronel; ele procurara os registros de casamento no velho cartório do primeiro ofício e o registro de firmas dos primórdios da Associação Comercial e tivera algum sucesso, pois agora ele sabia que o Coronel Carvalhedo havia casado com uma das filhas de João Pinto Ribeiro, um abastado comerciante na praça de São Luis. O que restava a ele agora era colocar tudo em seu devido lugar para a apresentação que faria no Gabinete de Leitura do Doutor Antonio Augusto no próximo sábado. E esperar que aparecesse alguém para ouvir o que ele tinha para contar. (...)


Sentado em frente ao micro ele olhava a parede branca ou seria melhor dizer de um creme bem claro, mas sem dúvida imaculada, sem qualquer mancha de dedos ou riscas de lápis. Ele comparava essa pureza ou limpeza com o estado atual, exaurido, de sua mente: após ter fechado os arquivos Word onde gastava tempo escrevendo contos, histórias, lembranças e impressões do que lhe acontecia diariamente, após fechar o dicionário no qual tirava suas inumeráveis dúvidas, ele que não sabia nada da língua, após fechar os sites de jornais - sempre abertos, os blogs de política, pró e contra o governo, que ele não era radical; os blogs dos amigos e das amigas, um destes tornou-se um ponto de apoio e reflexão importante; sites de humor e de mulheres bonitas, somente a tela de proteção restou brilhando no monitor. Por mais que procurasse alguma coisa de importante gravada em sua mente nenhuma mensagem se apresentava. Para que havia ele passado boa parte de sua vida alisando bancos de escola? Agora, quando se aproximava seu inarredável encontro com Ella acontece-lhe o inesperado, talvez alguma coisa que traga um pouco de animação para esses dias tão secos por que tem passado. Aconteceu que súbita e vagarosamente a tela brilhante do monitor se iluminou como se fosse uma projeção cinematográfica. Certamente não como em um cinema, que se tem um escurinho aconchegante, mas tão forte como se ele estivesse em uma sala com um moderno projetor. Ele caminhava na calçada da morada e, do lado oposto, abria-se uma porta com cenas nítidas como se fossem as cenas iniciais de um filme, mas só que sem os créditos, que esses muitas vezes atrapalham o espectador ansioso pelo início da projeção. Vagarosamente aparece na tela uma figura quase que angelical, com seu cabelo bem preto e curto ainda assim amarrado no arremedo de um coque preso com uma pequena fivela preta. Ela, em câmara lenta, mexe e remexe as peças de roupa que tem para vender. Com o continuar do filme Marco até adivinha que ela vai virar a cabeça em direção à frente da tela como que procurando por seu olhar. Ela o fez e com um bônus: sorriu para ele. Ele então devolve o sorriso acompanhado de um curto aceno que ela logo retribui. O filme é interrompido pela porta ondulada de ferro que fecha a loja de eletrodomésticos vizinha à lojinha onde ela trabalha. Em frente ao micro ele tem um sobressalto e acorda desse sonho estranho, mas delicado. Marco não consegue mais tirar os olhos do monitor que pisca o tempo todo. Subitamente a sua sessão de cinema recomeça e, agora, ele resolve avançar até a lojinha. Depois de algum debate interno ele decide que essa seria a melhor solução, pois ele não iria deixar a daminha – assim ele passou a chamar a garota do coque curtinho - sair de seu trabalho só para falar com ele. Ele chega à frente do balcão e ela o encara com um leve sorriso e pergunta o que ele deseja. Ele responde:
- Eu mesmo não sei. Talvez uma roupinha para criança.
- É, mas eu acho que você não quer mesmo uma roupinha para criança, não...
- Verdade. Eu só quero conhecer você, pois esta é minha primeira experiência com uma daminha que me lembra muito a Rosa do Cairo. Você já ouviu falar na Rosa do Cairo?
- Não. É algum filme?
- É e você parece com a Rosa.
- Será que tem esse DVD na locadora? Se tiver então podemos vê-lo juntos lá na casa da minha madrinha.
- Então ta. Eu vou alugar o filme. Até a noitinha.



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