Sunday, October 25, 2009

CONTOS DA RIBEIRA 13


A HISTÓRIA DE DARLAN

Sentado no banco da pracinha subitamente João é interrompido por um barulho, barulho mesmo - não é ruído - de uma moto preta que ele logo identifica como uma Honda Titan ES que risca à sua frente e para. De dentro do capacete também preto logo retirado sai a cabecinha bem formada de Anahí (bela flor do céu). Ela lhe dá um bom dia alegre dizendo: (...)


- Oi! Eu ainda não lhe havia visto! Quando você chegou?
- Oi! Que prazer! Eu cheguei há uns três dias e até perguntei por você...
- Olha, eu passo os dias trabalhando, quando não é no escritório viajo para o interior vendendo esses cavalos de ferro!
- Ôps! E você gosta do trabalho? Pelo menos dá dinheiro?
- Dá sim, pois estou bem melhor de situação do que naquela época da Faculdade.
- E o namorado? Ainda é aquele mesmo?
- Não... Estou com outro. Bem mais velho, talvez seja assim da sua idade!
- E eu, hein?
- Ah! Nem lembra! Me dá uma saudade daquela época em que a gente ia ao Campus todos os sábados... Escuta o que você faz aqui?
- Ué! Estou lendo aqui nesse sossego. E você vai para onde?
- Vou na casa de uma amiga, nós vamos alotar por aí...
Anahí faz um gesto de quem vai colocar o capacete e ele vê e quer que ela se despeça:
- Então ta... A gente se vê por aí...
- Tchau.
- Tchau.

Não havia muita escolha, ou melhor, não havia escolha alguma, pois a única praça na cidade que havia sobrado da fúria destruidora era a da Igreja de São Benedito. A praça é tão pequena que não tem mais de seis bancos e um outro tanto de algarobeiras. Pois foi para lá que ele se dirigiu na manhã do domingo para continuar a leitura do romance que havia interrompido já antes da viagem. Ele retomaria a leitura de “Vidas Secas” e estava curioso para ver como Graciliano Ramos contaria a história de Fabiano e de sua família de retirantes. Na verdade a pracinha tinha mesmo sobrado da destruição quase total das praças da cidade. Ele até se perguntava se essa faina destruidora tinha alcançado os distritos. Será que ela tinha chegado a Paraubina, terra de gente influente? Ou a Ibutira, onde até a Informática e Internet tinham chegado com tudo? Havia lá um moço que vendia materiais de informática e outro que tinha um blog, isso no distrito com somente 8000 habitantes. Estes novos equipamentos poderiam ser um freio para esses desmandos que todos vêm, mas ninguém diz ou faz coisa alguma. E há quem diga ser isso democracia. Restava conferir, como dizem os jovens, talvez sem noção de que se pode conferir muita coisa. Pois bem, ele sentou-se em um banco, desses antigos, de concreto, reminiscência dos primórdios da nova era, talvez do início da década de 1960. João não estava sentado comodamente, mas contraditoriamente ele se dispunha a esperar que alguém passasse a caminho das compras, pois a praça ficava no caminho do Mercado, o reconhecesse e parasse para um dedo de prosa. Não precisava nem reconhecê-lo, era só estar interessado em trocar ideias com alguém tão estranho que, para ler um pouco, tivesse tido a coragem de sentar-se em plena manhã, - noves horas, mais precisamente, - de um domingo ensolarado, mas fresco, pois havia chovido na noite anterior. E tinha sido até agradável dormir em sua rede vermelha.

Como fazia já bem mais de uma semana que ele havia interrompido a leitura de Vidas Secas e não havia marcado a passagem interrompida João demorou algum tempo para localizar o trecho que lhe interessava. Após reiniciar a leitura ele descobre que Fabiano vai em cana porque um meganha não simpatiza com ele e convoca o destacamento para lhe dar uma surra.

Nisso um carro preto, rebocando enormes caixas de som, estaciona a cinco metros, se tanto, de onde ele está. Ao descer do carro o motorista se dirige ao reboque e começa a mexer em fios e tal. Mais que depressa João abandona o banco que o havia recolhido desde cedo e vai em direção a, nem mesmo ele sabe aonde. Pois não há mais praças nas proximidades. Ao ouvir o barulho que vinha da pracinha em que estivera até ha pouco ele sabe que um dos candidatos a prefeito vai fazer propaganda enganosa pelas ruas da cidade, em pleno domingo. Ele acertou, mas não totalmente, pois o carro sai vomitando seus sons ensurdecedores e deixa a pracinha e seu banco livres para estacionar bem mais lá longe. Ele volta para continuarar a leitura interrompida.

Daí a pouco e ele já empolgado com as aventuras de Baleia, aparece-lhe à frente um senhor alto, com a barba por fazer e vestindo camisa e calças surradas que o cumprimenta:

- Bom dia. E faz menção de ficar ali em frente estático. João diz:

- O Senhor não quer sentar?

- Não obrigado, vou passando, pois vou até a padaria ver se compro pão e leite pro café. Ele continua: - Como é seu nome? Eu já lhe vi pela rua...

- Eu sou o João, filho do Sebastião Cunha.

- Ah! Conheci muito seu pai, um homem honrado e muito instruído.

- E o Senhor qual seu nome?

- Eu sou o Darlan, filho do Antônio Bento. Sou primo do Francisco Bento. Eu acho que este trabalhou no Armazém do seu Pai, no tempo antigo.

- É, pode ser, mas eu não lembro. E o que você faz?

- Eu sou aposentado pelo Estado. Eu era carpinteiro, mas fazia de um tudo. Trabalhava de empreitada e quando aquela ponte grande estava sendo construída o engenheiro responsável soube que eu era capaz e me chamou para fazer os moldes dos pilares de concreto.

- Ah! Legal!

- Pois é. Tive muito trabalho, mas como eu era bom mesmo no meu ofício a ponte foi inaugurada no prazo. Eu não tive muito estudo sabe? Mas saber fazer os cálculos todos eu sabia. Ainda trabalhei alguns anos em construção com esse engenheiro, mas aí tive um problema de saúde e fui aposentado.

- E a aposentadoria dá para o sustento de sua família?

- Dá o que Seu João! As despesas são muito grandes. Meu filho mais velho tem problema nos rins e precisa tomar muitos remédios que são caros como todos. Imagine o Senhor que só uma caixa custa quase cem reais e dá só para quinze dias. O dinheiro não dá pra nada. O pior é que eu fui enganado por essa história de aposentadoria consignada.

- Como assim? Não pode esquivar-se João.

- Nem queira saber. Apareceu um dinheiro na minha conta, pouco mais de mil reais, e no Banco disseram que era o empréstimo que eu tinha feito! Se eu não fiz empréstimo nenhum...

- E então?

- Aí não teve jeito, pois o dinheiro ficou sem ser meu! Mas, o pior foi que minha mulher quis gastar o dinheiro e eu fui no Banco e tirei...

- E agora?

- Pois é agora estão-me cobrando e eu não tenho como pagar...

- O Senhor já foi no Defensor Público?

- Já e ele me disse que não pode fazer nada, pois eu tirei o dinheiro.

- Ah Seu Darlan...

- Pois é Seu João. Bom, eu vou embora pegar o pão e o leite. Foi muito prazer conhecer o Senhor.

- O prazer foi meu. Até logo.

João voltou para a tragédia de Fabiano e sua família que, pelo menos estava só nas letras de Graciliano Ramos.



No comments: