Wednesday, September 30, 2009

HISTÓRIAS DE JORGE RAPOSO 24

“CABOCO SEM VERGOIM”


Muitas vezes Jorge admirava-se da capacidade que tinha de lembrar fatos acontecidos há decênios com ele ou com alguém na Cidade. Essas lembranças chegavam quando lhe acontecia algum fato que o remetia ao passado.

Certa vez quando de uma viagem de avião ele começou a se incomodar com os movimentos da senhora que estava sentada logo atrás dele. Toda vez que ela precisava levantar da cadeira ou mesmo mexer em alguma coisa na bolsa presa à dele, ela puxava o encosto com força. Ele se perturbava com isso e sentiu vontade de levantar e reclamar. Agora eram outros tempos e ele se conteve.

Isso lhe fez lembrar de seu tio Raimundinho, irmão de seu pai, que era um verdadeiro “caga-raiva”. Ele mesmo contava os seus feitos. Entre estes estava aquele do “caboco”, como dizia que roubava seu leite. Certo dia ele pôs um copo de leite quente para esfriar em cima do peitoril da janela que dava para a rua muito movimentada e muito suja. Quando, passado algum tempo, ele procurou o copo com leite que já devia estar frio, encontrou-o vazio; alguém tinha tomado o seu leite. No dia seguinte ele pôs novamente um copo com leite no mesmo lugar; aconteceu o mesmo e assim foi no próximo dia. Tio Raimundinho resolveu, sem dizer nada a ninguém, pregar uma peça no “caboco”. Foi na farmácia do Seu Horácio e comprou uma porção de sal-amargo que daria para purgar um cavalo. Voltando para casa dissolveu o purgativo no leite e pôs o copo no lugar de sempre. Não deu dez minutos e o leite desapareceu do copo. O “caboco” tomou o leite com o purgante. Daí a meia hora ele ouviu um zum-zum vindo da Praça do Mercado. Foi até lá e descobriu o bebedor de seu leite. O pobre “caboco” estava se desmanchando todo. Raimundinho deu um sorriso sarcástico e disse:

- Aguenta “caboco sem vergoim”!

Jorge gostava de recontar as histórias que seu pai havia lhe contado quando era jovem, fossem verdadeiras ou não, pois eram modelos do comportamento do povo da família de seu avô paterno. Eles tinham vindo de um lugar no pé da serra onde eram conhecidas suas tiradas irônicas, sarcásticas. Todos da família tinham essa mania da ironia. Possivelmente esse era um traço comum nas famílias locais que, na falta de como ocupar o tempo, divertiam-se “tirando sarro” de todos. Ele também gostava disso, mas algumas vezes tinha se arrependido dessas empreitadas.


O texto está completo.

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