Wednesday, November 30, 2011

PRETENSÕES DE SEU UBIRAJARA


Ferreirinha esbarrou na porta do mercado com um camarada estranho e viu que não o conhecia, nunca o tinha visto. Mais tarde ele o identificou como sendo Ubirajara Cohen Urquiza. Pensou: Então é esse o velhote enxerido... A figura tinha tudo para ser o tal, pois usava calças caqui, um chapéu Panamá e andava de sapatos com saltos altos – ele era baixinho. Como não havia ninguém para confirmar sua identidade ele aventurou-se e se dirigiu ao índio, pois o velho era todo um índio. (...)



- Bom dia Senhor. Você é o doutor Ubirajara?
O outro olhou para ele, desconfiado, mas respondeu afirmativamente.
- Eu gostaria de falar com o Senhor...
- Pois é, já está falando...
- É um assunto particular. Podemos ir até o Bar do Mainha? Ali na esquina...
- Vamos. E doutor Ubirajara seguiu os passos de Ferreirinha, pois ele não tinha a menor idéia de onde ficava o tal bar. Ao chegaram Ferreirinha puxou uma cadeira diante de uma mesinha dessas de ferro e ofereceu-a a seu convidado sentando-se em outra, bem de frente a ele. Ubirajara esperou pelo desenlace do encontro achando que talvez a conversa fosse sobre um assunto que ele não gostaria de tocar, pelo menos agora que ele estava em paz. Mas Ferreirinha - ou seria Senhor Ferreirinha? - ao se identificar confirmou suas suspeitas:
- Eu sou o pai de Isolda, o Ferreirinha.
- Sim?
- Corre o boato na cidade que o senhor está perseguindo a menina... É verdade? O que 0 senhor tem a dizer sobre isso? Pode parecer uma tentativa de estupro...
- Não tenho nada a dizer, mas parece que os boatos aqui andam mais depressa que os fatos, não é?
- Então o senhor nega as evidências?
- Santo Deus! E quais seriam essas evidências?
- Estão dizendo que o senhor dá as coisas para ela...
- E faz algum mal dar mimos para uma pessoa? Se Isolda fosse homem o senhor se importaria? E se ela fossa uma velhota de minha idade o senhor também se importaria? E se ela tivesse um monte de defeitos físicos o senhor ainda assim se importaria?
- O senhor fala assim me atrapalha todo...
- O senhor não precisa se atrapalhar seu Ferreirinha...
- Tudo bem, e o senhor vem de onde, com esse nome estranho?
- Bom, para ser gentil eu vou lhe responder. Meus antepassados saíram do que hoje se chama a Terra Santa e habitaram a Península Ibérica. Muitos anos se passaram até que eles chegassem a esta Terra Abençoada e fixassem raízes. O pai de meu pai era farmacêutico prático em Manaus e eu sou o único de seus descendentes que não seguiu essa profissão. Eu fui, por muitos anos, embarcadiço na Marinha Mercante. E nunca casei, sou um moço velho, solteiro, se isso interessa ao Senhor.
- E o que o senhor faz aqui na Várzea?
- Eu vendo apólices de seguro de vida da Sul América Companhia de Seguros, como o senhor vê eu sou um reclame vivo da Companhia.
- Ah é?
- Será que o Senhor está interessado em fazer um seguro?
- Vou falar pra minha patroa e acho que ela vai gostar de conhecer o Senhor.
O velhote enxerido esfregou as mãos em sinal de satisfação prevendo que iria encontrar Isolda em sua própria residência e não naquela lojinha da qual ela era caixeira.
Ferreirinha não se conteve e perguntou a Ubirajara:
- Mas Senhor Ubirajara deixe o seguro de vida de lado e me diga quais seriam suas pretensões?
- Pretensões? O que o senhor quer dizer com pretensões?
- Quero saber o que o senhor quer com a Isoldinha.
Ubirajara animou-se com o diminutivo empregado pelo pai da menina, pois isto parecia sugerir um abrandamento do seu ponto de vista. Ele respondeu:
- Veja Senhor Ferreirinha eu não sou rico, isto por mais que as pessoas da Várzea me dêem as mais diferentes posses. Eu sou um velho, como se diz aqui um velhote enxerido, eu não sirvo pra muita coisa. As minhas pretensões com relação à sua bela filha são as mais simples possíveis e elas são exatamente as mesmas que tem sua filha sobre minha triste figura. Se o senhor quer mesmo saber, pergunte a Isoldinha. Ela com toda certeza lhe dirá.

No comments: