Saturday, October 23, 2010

A VIDA AVENTUROSA DE TROFIM VASEC EM DIVERSOS CAPÍTULOS – 17


A ONÇA QUE COMEU O TALZINHO

Onças apareciam no Pé da Serra do Zé, um serrote na Tiaia, onde a vida selvagem ainda era encontrada com facilidade. Elas atacavam tudo que era de animal de quatro e de duas patas: bezerros, cabras, cabritos, galinhas e capotes. Nada escapava mesmo no chiqueiro. As notícias chegavam até a cidade e todos queriam que os Poderes Públicos tomassem providências. Nada acontecia. Os PPs estavam dominados por Talzinho já fazia muitos anos e eram mais lentos do que todos os PPs em qualquer outro lugar, talvez com a exceção da Capital. Talzinho não se importava com nada que levasse os PPs a fazer alguma coisa. Nem o esgoto Talzinho queria que os PPs resolvessem botar pra funcionar. Era uma merda pura. Cheiro horrível. Escorrendo pra dentro do rio. (...)

De qualquer modo Talzinho e seu amigo Trofim resolveram caçar a tal onça e eliminar mais esse perigo a seus colégios eleitorais. A bicha comia eleitores também. Os dois marcaram o dia da caçada e Talzinho e Trofim foram para o Preá ao encontro do Zé de França, o dono da terra onde andava aparecendo a pintada. Cada um levou seu rifle Winchester e muita munição, pois não tinham muita prática de atirar em animais de quatro patas – eles sabiam atirar em animais de duas patas como perus e galinhas e outros. Levaram também muita paçoca e rapadura para os cabocos que iriam acompanhá-los na caçada e muitas comidas chiques para eles. O estoque de uísque black label que levavam era grande; muita água de coco e uma pequena fábrica de gelo portátil, último modelo trazida dos Estados Unidos por Talzinho quando de sua última viagem.

A primeira parada foi no Preá, na Casa Forte que era uma das residências de Talzinho, aquela em que a Maga Patalógica morava e dava muitas tudo e muitas esmolas. Foi no Preá que os dois e mais seus companheiros de partido, ops de partida, rezaram na capela mandada construir especialmente por Talzinho e na qual ele teria suas exéquias quando passasse dessa para a melhor. Após terem rezado bastante e completado a matalotagem trazida da cidade com uma buchada de bode completa, muito queijo e muita cachaça para os cabocos eles puseram o pé no mundo. Iam a cavalo e os ajudantes tangiam uma meia-dúzia de jumentos com a carga. Como eles tivessem saído de madrugada chegaram na Vage da Quintura, na casa do Zé de França antes do meio-dia. Aí demoraram ajeitando tudo e se preparando pra sair na madrugada para a Serra do Zé que é onde apareciam as pintadas.

Uma boa hora antes do sol nascer eles se puseram a caminho; Talzinho montado em sua égua estradeira e Trofim um cavalo branco emprestado de seu sogro. Logo próximo de onde se sabia que a onça atacava, eles apearam e montaram campana pelo resto do dia esperando que a bicha aparecesse. Quando foi lá pela madrugada do outro dia, com todos já de barriga cheia e cabeça rodando com o black label e a cachaça eles, ou melhor, o Zé de França, que conhecia os modos das onças, começou a notar a movimentação do que seria um enorme animal, talvez faminto e pronto a atacar. Ele avisou a todos sobre a aproximação da bicha e todo o grupo ficou esperando. Os cabocos de olhos esbugalhados de medo e os home importante, morrendo de medo, mas sem poderem demonstrar. Era época de eleição e ninguém queria dar o braço a torcer, demonstrar medo, ou coisa que o valha. Tinha de fazer como o home la de cima, que era corajoso pra caramba, enfrentava tudo, principalmente os bicho de dois pés e de pena.

O fato é que a pintada apareceu já à luz do dia e ficou a espreita por muito tempo. Ninguém queria atirar na bicha, pois a caça a qualquer animal era proibida e quem o fizesse ganhava uma multa bem grande. Pior era que essa multa era dada por um sujeitinho chefe da repartição que cuidava dos bichos e plantas selvagens e de quem ninguém do partido de Trofim e Talzinho gostava. O jeito foi esperar por um movimento da bicha e, atirar em legítima defesa. Isso era permitido. Todo mundo se espantou quando a onça parece que escolhendo a dedo sua vítima, deu um salto enorme e abocanhou, sem mais aquela, o nosso querido Talzinho. Quando o Zé de França notou o velho estava já bem dentro do bucho da bicha. Daí foi Trofim quem deu um tiro com a Winchester e matou a bicha com o amigo lá dentro dela.

Foi um Deus nos acuda até que faca de cá, faca de lá, conseguiu-se abrir o bucho da onça e retirar o Talzinho lá de dentro. Ele já tinha sido digerido um pouco, principalmente as partes extremas: pernas e braços e a cabeça branca. Não teve jeito o nosso amigo Talzinho desaparecia, na flor de sua senectude, comido por uma onça, preservada na Natureza por seu arquiinimigo o chefe da repartição que cuidava dos bichos e das plantas.

Observação final: a onça teve sua pele retirada, espichada e seca ao sol do Pará; como ela não podia ser exposta Trofim levou-a para sua nova casa no Alto que foi herdada de Talzinho. Assim ela ficou escondida dos fiscais do Obama.

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