Saturday, October 02, 2010

CONTOS DA RIBEIRA 44


A SECA E A CHUVA

Era uma seca dessas brabas. Tudo quanto era plantação tinha morrido. Tudo quanto era bicho tinha morrido. Até a Baleia tinha ido e foi logo enterrada debaixo do pé de mororó. Já não tinha água nos poços do rio, lá embaixo. Não tinha também água no cacimbão. Tudo era azar. Até o Zé Miguel foi buscar água no cacimbão do Sancho com a lata e caiu dentro. Ninguém num sabe como ele saiu lá de dentro. Só sabe que ele demorou a voltar com a água e quando foram atrás ele tava na beirada do cacimbão com a lata na mão dizendo “Cá secou”. (...)

Na hora que eles foram ver o menino e passaram pelo Cajueiro, das quatro casas que lá tinha três estavam com as portas escancaradas e o vento batia nelas que dava dó. Todos das casas já tinham fugido. A Raimunda, mulher do Chico Benício, tinha já morrido de fome. Os menino do Zé do Córgo de Dentro estava tudo morreno, um por um. Todo dia morria um menino ou um velho. O cemitério já na cabia mais ninguém. Já tavam enterrando do lado de fora. E sem padre que nem chegava lá. Todo mundo sabia que o Inácio, lá na Ribeira, estava escapando e vivia bem. Ele de vez em quando mandava umas coisinhas para os parentes nos matos. Mas ele era pra mandar mais, pois a fome tava braba e o pessoal e os bicho tudo arruinado. Os da família sabiam que só tinha mesmo um jeito para eles. Era que o Inácio tinha de mandar um dinheirinho pros parentes. Daí eles podiam ir a pé mesmo pro Ibuassu comprar coisas nas bodegas de lá. Todo mundo dizia que elas ainda tavam sortidas E ainda iam ficar até a chegada do inverno. O Sancho resolveu ir na Ribeira pra pedir ao Inácio que mandasse um dinheirinho pros parentes. O Inácio disse que mandar dinheiro era difícil, pois este artigo tava também difícil na cidade. Só quem tinha dinheiro era o Coronel e ele ia cobrar um prêmio muito grande se emprestasse algum. Sua mulher vendo aquele chororô pediu por São José que ele fosse atrás do home. O parente Sancho insistiu com o Inácio e este terminou concordando. Ele foi pedir ao Coronel dinheiro emprestado pra mandar pros parentes e daí eles podiam comprar coisas no Ibuassu se ainda tivesse lá. O Sancho era quem ia ficar encarregado de fazer uma lista dos parentes e outros amigos que iam receber o dinheiro. Todo mundo que tivesse um filho ou um parente cego ou aleijado ia receber. E logo, logo começou a distribuição do dinheiro. Todo mundo ia pegar no armazém do Inácio, toda semana, os trocados pra poder comprar as coisa. Ficou todo mundo muito alegre com o dinheiro do Inácio, que não era dele, mas do Coronel. Também ficou todo mundo sabendo que o Inácio queria receber de volta quando eles colhessem seus roçados: o milho, o feijão, a mandioca e o que mais fosse produzido. Durou seis meses essa historia, até que chegou a chuva dois dias antes da festa de São José. Quando chegou a hora de devolver o dinheiro com o apurado com a venda do milho, o feijão, a mandioca e o que mais, não pode ser. Ninguém tinha nada de milho, o feijão, a mandioca, pois ninguém tinha plantado nada disso. Todo mundo tinha comido, bebido, fumado, dançado, dormido, passeado, o dinheiro que o Inácio tinha arranjado. E agora? Só pedindo mais pra pagar o que devia. Ou entregar as terra ao Inácio; será que ele queria? Quem ia querer era o Coronel na certa, pois era dele o dinheiro.


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