Thursday, February 11, 2010

HISTÓRIAS DE JORGE RAPOSO 38


MESTRE DE BARCA


Antes de sofrer o acidente de carro que o deixou com dificuldades de andar e, um pouco também de dirigir, Jorge ia com muita freqüência ao cinema. Ia sozinho, a maior parte das vezes. Gostava de ir aos cinemas multiplex, novos, com o som muito bom; eles geralmente tocavam música clássica para acalmar os espectadores que esperavam pelo início da sessão.(...)


Ele gostava de quase todos os gêneros de filmes, mas sua preferência eram os caubóis, policiais e comédias. Ou seja, quase tudo, pelo menos para ele. Nessa sexta ele escolheu um filme que estava fazendo sucesso há algumas semanas. Era um filme de Woody Allen, “Match point”. Ele gostou, como todo o mundo que o assistiu. Um jovem tenista fazia de tudo para ser rico desde que o tênis profissional não lhe tinha proporcionado as oportunidades que ele esperava.

Ao sair do cinema Jorge foi jantar tendo escolhido uma pizzaria no próprio shopping. Pediu um pedaço pequeno de pizza calabresa e uma cerveja longneck. Ao terminar foi para seu apartamento, onde ficou vendo televisão, um programa sobre música clássica. Começou a sonhar acordado e não lembra nem do que estava vendo e ouvindo.

Pensava em seu tempo de criança na Cidade e em alguns amigos que fizera. Jorge lembrava-se que, nessa época, ele tinha amigos adultos, muito mais velhos que ele. Isso não lhe causava estranheza, mas sim aos outros. Tinha também amigos da mesma idade, principalmente os primos e crianças filhos de empregadas de casa. Um de seus amigos preferidos foi o João Viana que tinha talvez, na época, o dobro de sua idade. O João era o guarda-livros de uma porção de firmas na cidade, mas nesse tempo era quase sócio de um dos tios de Jorge, na loja de fazendas e miudezas, ou assim ele pensava. Aparentemente esse seu tio foi instado a ajudar o rapaz, pois ele não tinha emprego e precisava casar-se.

O João tinha algumas manias e, uma delas era a de colecionar selos. Os dois se entendiam bem, pois Jorge também colecionava selos. Muitas vezes havia pedido ao amigo mais jovem para comprar selos no Alcides Santos. Foi ele que o introduziu à comunidade internacional de filatelistas. Eram ambos sócios da União Internacional de Filatelistas, sediada na Espanha. Pagava-se uma anuidade com direito a uma revista semestral e a um carimbo lindo!

João tinha também o hábito de pescar. Todos os domingos pela manhã ele saia para o rio e pegava uma canoa com um ou dois remadores e ia até a Volta da Areia onde, no meio do rio, começava sua dita pescaria. Esta consistia em jogar bananas de dinamite e, após a explosão, apanhar os peixes que subiam à superfície, mortos pelo choque. Jorge o acompanhou algumas vezes nessas missões horripilantes. Ele, a princípio, não se dava conta do crime que estava sendo cometido. Após alguns domingos passados com o João nessas incursões criminosas ele declinou dos convites recebidos do amigo.

Este amigo tinha também interesse no único cinema da cidade que era de propriedade de seu concunhado que o havia comprado de outro amigo de Jorge e também bem mais velho, o Chico. Quando de férias na Cidade Jorge se convidava ao João para vender entradas para as sessões do Cine Lyra. Ele fazia isso com prazer, a troco de nada. Talvez somente para ter contacto com os espectadores. Certa vez o Delegado de Polícia aproximou-se e pediu uma entrada. João respondeu-lhe:

- Espera aí mestre que eu lhe atendo já! O sargento retrucou:

- Mestre é de barca menino! Me dá logo essa entrada, pois o filme já vai começar!

Jorge baixou o olhar e passou-lhe a entrada. Sempre teve medo de gente fardada.


Quando deu por si a televisão estava chiando. O programa havia terminado e a estação estava fora do ar.

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