Wednesday, July 01, 2009

HISTÓRIAS DE JORGE RAPOSO 18


Cantada no salão


- Bom dia Marcinha, dizia ele e ela respondia:

- Bom dia, meu bem.

Ele não “ia ao barbeiro”, mas provavelmente ela era a única pessoa que acertava um corte para o seu, sempre rebelde. Quando na cidade ele só cortava com ela, com outro só se soubesse que ela não iria ao salão. Ele a chamava de Marcinha e ela o tratava por “meu bem”. Ao pagar ele sempre deixava uma boa gorjeta.

Ele tinha certeza que ela, nem seu nome sabia, mas isso não importava. Ele gostava dela e demorou muito até descobrir que era casada e que o marido era depressivo. Dele Jorge, ela sabia muito pouco, pois como sempre, apesar de conversador, ele se trancava e não entrava em particulares, principalmente depois de ter descoberto a existência do marido. Ela era mais uma que aparecia e ele não tinha a coragem de “cantar”. Ela não estaria nem nas dez das quais seu amigo falava:

- Jorge, tu canta dez e uma cai. Tu fica no lucro, rapaz!

Ele recusava usar esta estratégia e ficava na sua, isto é, nenhuma.

Neste dia Vanessa o deixou na porta do salão e prometeu voltar daí a meia hora. Sentou-se na cadeira de Marcinha e ela logo começou a operação que ele achava chata. Estava com muito sono e sentiu os olhos fecharem.

Procurou alguém conhecido e notou a presença de colegas de trabalho de ambos os sexos, que borboleteavam ao som de um conjunto brega. Seus colegas da Associação adoravam essas festas em comemoração a qualquer coisa; era oportunidade para por os fuxicos em dia e paquerar. Ele comprou uma dose de uísque com muito gelo e ficou em pé olhando o movimento dos casais; não sentiu vontade nenhuma de se aproximar dos colegas. Ele estava simplesmente marcando sua posição imutável: não conversava com “todo o mundo”... Para ele todo o mundo era todo o mundo, mesmo!

Ficou surpreso quando descobriu uma ex-aluna dançando com alguém conhecido. Ele esperou uma parada do conjunto e se aproximou dela:

- Oi como vai? Está de volta definitivamente ou ainda está em Brasília?

- É ainda estou arranchada lá. Agora sou Professora Assistente e estou fazendo doutorado com o Professor Rosado.

- E em que área?

- Nessas coisas que ele faz e que você também faz!

- Eu? Não trabalho em mais nenhum dos assuntos em que me envolvi com ele. Aliás, que ele me envolveu... Quer dançar comigo, agora?

- Vamos... Saíram os dois dançando, ele tropeçando em seus pés, fora do ritmo, pois nunca havia aprendido a dançar. Mas, nessa época ele tinha coragem de tirar uma colega para dançar, mesmo tendo que pedir desculpas o tempo todo. Ele começou a dar-lhe sinais de que de sua boca ia sair uma “cantada”. Até hoje ele não sabe o que viria depois. Ela o repeliu brutalmente:

- Cara tu tá completamente errado! Não tem nada disso! Tu mistura tudo! Vamos parar que eu vou embora!

Ele nunca mais a viu. Aliás, recentemente a viu no shopping e notou que, apesar de ser bem mais jovem do que ele, ela estava com a face completamente escavada.

- Pronto meu bem acabamos, disse Márcia. Parece que você estava era sonhando. Será que minhas mãos são mesmo tão delicadas ou você está com muito sono?

- Sei lá Marcinha. Acho que tenho dormido muito pouco nos últimos dias. Vou embora. Tchau.

Saiu após ter pago o corte e deixado a gorjeta costumeira. Foi sentar-se no banco de madeira que ficava em frente ao salão à espera de Vanessa que demorou um bocado.

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