Thursday, April 02, 2009

HISTÓRIAS DE JORGE RAPOSO 8


ANSELMO RAPOSO, ADVOGADO

Leluli o tinha levado na cadeira de rodas para a varanda, pois estava fazendo um pouco de sol e era bom aproveita-lo. O avô pegou um livro (“Mandrake – a Bíblia e a Bengala” de Rubem Fonseca) e o folheou até a parte onde tinha lido no dia anterior. Logo após retomar a leitura ele largou o livro e começou a pensar em fatos acontecidos há muito tempo em sua vida familiar. Ao cabo de alguns minutos não resistiu e dormiu um sono leve que o permitia sonhar quase acordado; isto acontecia sempre e ele estava acostumado, até gostava, pois parecia ser a indução de sonhos por algum mecanismo que nem ele nem Vanessa sabiam ou tinham ouvido falar.

O fato é que ele começou a se lembrar ou a sonhar sobre a época em que, com seu irmão mais velho, tinham ido ainda crianças estudar no Rio de Janeiro, no começo do século XX. As viagens eram muito difíceis e só se podia ir por vapor ou, ao chegar a Vitória tomar o trem que, na época a ligava a Niterói, “Nique”, como se dizia. Foi isso que eles fizeram. Jorge tinha doze anos e Anselmo, treze. Logo que chegaram foram apresentar-se ao gerente da casa Masson com a qual seu pai negociava; o velho Ribeiro seria seu correspondente, fornecendo-lhes dinheiro, farto na época, indicando pensões e procurando encaminha-los à Faculdade e ao “culégio” para o mais novo. Anselmo já tendo feito os preparatórios passou a freqüentar a Faculdade de Direito e Jorge foi internado em um colégio de jesuítas em Botafogo. Ao fim de dois anos Jorge voltou e passou a estudar no Ceará enquanto o irmão mais velho ficou, pois logo se formaria. Alguns anos depois se soube, através do correspondente, que Anselmo fora acidentado por um carro (Imagine-se a raridade desse acontecimento...) e estava muito mal na Casa de Saúde. Imediatamente Jorge Filho providenciou para que sua mulher, acompanhada de Jorge Neto fosse para o Rio, a fim de cuidar do irmão. O rapazinho estudava em Fortaleza tendo de interromper os estudos; ele estava freqüentando a Fênix Caixeiral e, em breve, tiraria o diploma de Guarda-livros. Ele teria de voltar para a Cidade para ajudar seu pai nos negócios fazendo a contabilidade da firma que era, desde muitos anos de seu pai, mas conservava a razão social antiga: Pereira & Cia. Ltda. Recentemente ele havia admitido dois de seus cunhados. A firma era de Jorge Filho, mas todo mundo sabia, só os familiares não, que seu antigo patrão e sócio, Coronel Pereira, tinha muito capital nela, cerca de R$ 150 contos de reis.

Anselmo recuperou-se logo, mas ficou com seqüelas. Ele ficou com um defeito na perna e no braço direitos. Isto obrigou Jorge Neto a ficar no Rio de Janeiro dando o máximo de assistência ao tio em quem a família nutria esperanças de ver engajado nos negócios do pai. Anselmo não desejava de modo nenhum envolver-se nos negócios na Cidade, mesmo que a firma fosse à bancarrota. Ele havia afirmado certa vez que não iria enterrar-se lá. Após sua recuperação voltou à Faculdade de Direito e formou-se. Envolveu-se com movimentos de esquerda e chegou a filiar-se ao primeiro partido comunista do país.

Vanessa decidiu acordá-lo e convidá-lo para irem a um de seus restaurantes preferidos comerem um belo sirigado acompanhado de um bom cabernet.

No comments: