Thursday, May 10, 2012

VISITA ESTRANHA


Nelson decidiu mandar consertar sua cadeira de rodas. Não é que ela tivesse algum defeito, mas ele tinha visto em um anúncio na Internet cadeiras bem melhores e fáceis de manejar; talvez ele não precisasse da ajuda de alguém para levá-lo até a varanda. Ele tinha de fazer força para movimentar essa cadeira, já velha de dez anos; um modelo novo, movida a bateria seria bem melhor. Mas, enquanto não comprava – será que seu dinheiro daria para esse luxo? – ele teria de se fiar na Clara Luz (era esse seu nome) sua empregada. Seus oitenta anos lhe pesavam e ele tinha que ser cuidado o tempo todo. Nesse fim de tarde ele pede a Clara Luz para levá-lo até a varanda de seu novo apartamento, um mini-apartamento lá pelos lados do Cocó. Ele havia comprado o imóvel com parte do dinheiro apurado na venda de seu sítio e ainda sobrara um pouquinho para ir comprando seus remédios, sempre muito caros. A Clara Luz chegou e empurrou a cadeira com delicadeza e a posicionou na varanda que dava para a Lagoa. Essa era imunda,  pois ninguém a limpava, mas permitia uma vista de qualquer modo agradável.  Nelson ficou absorto em seus pensamentos e, daí  a alguns minutos estava cochilando.
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Ele lembrava muito bem daquela viagem que fizera a Botija para visitar a namorada. Nelson esperava pela oportunidade de conhecer sua família e medir forças, isto é, saber se o namoro progrediria ou não. Conhecer a família era essencial para essa parte, pensava ele. Foi com o carro novo, um Passat vermelho estalando de novo. Dada sua idade provecta ele contratou o Paulo motorista acostumado a fazer suas viagens para o Riacho. Esteve o tempo todo animado durante a viagem, falando sobre o que sabia da família que iria conhecer daí a algumas horas. Não foi difícil encontrar a casa, pois sua namorada estava esperando na direção de uma SUV Mitsubishi preta de último modelo, conforme combinado, na grande praça onde paravam os ônibus que chegavam até a cidade. A jovem seguiu na frente e o Paulo acompanhou  no  Passat . Logo chegaram à casa de morada, pintada de um amarelo berrante, uma verdadeira mansão, de dois pavimentos, entre dezenas de casebres, com uma enorme piscina e deque apropriado onde se fazia churrasco, o vicio do dono da casa. A mansão tinha mais de dez aposentos, reservados aos filhos e às visitas de amigos que muitas vezes chegavam de surpresa para um churrasco. Além desse costume, digamos assim, o Senhor tinha outros usos, como o  de tomar uísque da melhor qualidade; ele gostava demais de tomar Fraig´s, um uísque escocês comprado de um contrabandista especializado da capital. Ele tinha outro costume que era o de gostar de garotas bonitas, mas esse quase todo homem tem.
Logo ao chegar ao portão ele se depara com um jardim onde os pequenos anões coloridos proliferam. Ao entrar na casa, guiado pela namorada, Nelson encontra um dos irmãos da moça que ia saindo e não lhe estende a mão ou sequer  lança um olhar. O visitante já fica apreensivo, pois negar um cumprimento era para ele algo imperdoável. Mas, costumes são costumes e Nelson tentou esquecer o incidente. Ao chegar à enorme sala ele ficou abismado com a decoração por demais kitsch, mas isso não lhe importava muito, pois estava acostumado com as residências de seus parentes novos ricos na Capital. Não havia vivalma na sala, mas um enorme espelho mostrava a imagem de quem chegava. A Nelson chamou a atenção, nesse espelho, a figura de uma bela mulher que olhou para ele com olhos zombeteiros. Ele não deu importância e os dois seguiram diretamente para a cozinha onde, agora sim, estavam as outras mulheres da família e o pretendente ao trono, aquele que em breve herdaria a fortuna do Senhor. Nelson deu bom dia dirigindo-se a todos que mexiam em algum prato sendo preparado ou mesmo, como era o caso do pretendente lambiam alguma panela recém esvaziada. Pois bem, ninguém respondeu à saudação do visitante que teve vontade de enterrar-se no chão.  Após a recepção silenciosa demais o casal volta para a sala e novamente Nelson olha para o espelho. Lá está refletida a imagem da mesma mulher que balbucia:- Eu não te avisei?
Clara Luz aproximou-se do velhinho e o chamou delicadamente para tomar seu lanche.  Nelson acordou e, lembrando-se do sonho, começou a rir e logo pensou na salada de frutas que a moça estava a oferecer-lhe.
FZA 3/5/12

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