Saturday, August 28, 2010

A VIDA AVENTUROSA DE TROFIM VASEC EM DIVERSOS CAPÍTULOS – 13


A DÍVIDA ABATIDA DO SEU BENÍCIO

Enquanto boa parte dos homens de bem da Ribeira tinha seus escravos, muitos deles, como o Coronel Totonho e seu pai os tinham poucos. O que eles apreciavam, com relação a escravos, era comprá-los e vende-los, principalmente para o Recife e Rio de Janeiro. (...)


Essas operações envolviam uma série de providências, tais como registro dos negros na delegacia de polícia, conseguir passaporte para a viagem, autorização do juiz e algumas outras medidas. Era preciso também, para a viagem, contratar um cabra bom para tomar de conta da mercadoria. E se os escravos fossem muitos, como no caso de uma família, casal e filhos, dois ou três, isso tudo custava muito dinheiro. O que vale é que as transações eram financiadas pelos próprios compradores o que diminuía o pagamento de juros para o Banco da Capital. Os lucros eram enormes e, portanto, a atividade recompensava.

Quando Trofim Vasec chegou à Ribeira seu futuro sogro ainda negociava com essa mercadoria. Mas as peças estavam escasseando, pois os boatos sobre a emancipação dos negros chegavam de toda a parte, vindos principalmente da Capital e de Calaboca. O Coronel pediu a Trofim que fosse cobrar uma conta de um compadre seu lá pelos lados do Tabuleiro. O fazendeiro, se é que se podia dizer que ele ainda fosse um, não tinha mais nada que pudesse servir para abater sua dívida de cinco contos no Armazém. Ele talvez tivesse alguns escravos e o Coronel queria que o eslavo se apossasse desses em seu nome, pois certamente dariam um bom dinheiro.

Após viajar um dia inteiro no rumo do Iboassu Trofim e o caboclo Zé Maria chegaram a casa do Seu Benício, o dito fazendeiro que devia ao Coronel. Os dois foram recebidos com toda cortesia, mas com aparente desconfiança. Após se arrancharem e tomarem um café gordo Trofim e Seu Benício passam a conversar no alpendre que era o lugar mais fresco da casa. O eslavo diz que o Coronel Totonho está apreensivo sobre a conta que ele lhe deve e que, motivado por diversas pressões de seus credores ele precisa que o fazendeiro lhe pague pelo menos parte dela. Seu Benício diz:

- Seu Trofim eu num tenho mais nada... Tudo morreu e num tem nem mais uma cuia de farinha ou de feijão. Eu num sei como vou pagar essa conta pro Coronel.

Trofim retrucou então que talvez ele tivesse algum escravinho que pudesse dar para abater a dívida. Ele falou isso olhando para um preto que estava ali encostado com um dos pés na parede do lado de fora fumando um cigarro e olhando pra longe.

- Que tal o Seu Benício entregar esse negro aí e talvez alguns outro mais. Na certa teria um grande abate na conta. Se for de sua conveniência a gente conversa amanhã de manhã, com o raiar do sol.

No outro dia, Seu Benício argumentou que o Miguel, o preto que estava encostado na parede na noite anterior, tinha uma família: era ele, mais a mulher, a Isabel e mais dois pequenos, o José e a Natalina. Eles eram os últimos escravos que ele possuía e seria uma injustiça que todos fossem embora, vendidos para o Rio de Janeiro ou Recife. Trofim disse-lhe então que mandasse buscar os escravos para que se fizesse uma avaliação. Quando chegaram todos o eslavo levantou-se e foi examiná-los. Olhou de cima a baixo e ordenou-lhes abrissem as bocas para um exame dos dentes. Mexeu nas crianças e na mulher botou olhares concupiscentes que a pobre Isabel logo entendeu. Após o exame sob o olhar atento do Zé Maria, Trofim diz:

- Seu Benício a família toda vale quinhentos mil réis. Isso dá pra abater os juros do ano. Acho bom o senhor concordar com a entrega deles agora, pois se demorar mais o que vai acontecer é que chega o fim do ano e sua dívida é capaz de dobrar.

O velho Benício, que estava de cabeça abaixada, tenta argumentar, mas Trofim está irredutível e não modifica as condições impostas ao velho fazendeiro. Para encerrar a conversa o eslavo puxa do bolso a nota já assinada pelo Coronel Totonho e na qual ele só precisou encher o espaço com os preços dos quatro escravos em milréis:

Miguel 170
Isabel 150
José 90
Natalina 90

Quando Seu Benício viu aqueles valores reclamou logo:

- Seu Trofim o Miguel num vale só isso! Ele é novo, forte e muito trabalhador; ele vale pelo menos 300 milréis. A Isabel é uma cozinheira de mão cheia, ela sabe cozinhar de um tudo; ela vale na certa, 200 milréis. O preço dos meninos pode ta certo, mas logo eles vão crescer e poder trabalhar...

- Seu Benício eu não tenho ordens de aumentar o preço desses negros. O Coronel Totonho vai gastar muito dinheiro para mandar eles pro Rio de Janeiro. Tem que dar comida, remédio se precisar, e mais as despesas com passaportes e passagens de navio. Além do mais vai ter um policial que vai levar eles até lá e ele cobra caro. Não tem jeito o senhor tem que aceitar os quinhentos mil réis.

Não houve remédio. O Zé Maria logo amarrou as mãos dos quatro e passou a corda pelos seus pescoços para que nenhum deles fugisse. Tocaram então para a Ribeira aonde chegaram a boca da noite.

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