Saturday, July 17, 2010

CONTOS DA RIBEIRA 38


FUGINDO DA SECA



O Pai já estava cansado de tanto sofrimento. A seca estava já no segundo ano e tudo que é de mantimento estava se acabando. Não tinha feijão, nem milho nem mesmo farinha. Água escasseava no poço, pois nele vinham se abastecer alguns primos vizinhos. (...)


A Velha e mais os três meninos estavam a cada dia que passava mais magros. Eles se sustentavam com a caça de preás e alguma nambu que aparecia. O Pai cuidava para que os meninos não abandonassem a fazenda, se é que se podia chamar assim o que restava da sua terra que até pouco tempo era só fartura. Ele imaginava que os meninos, principalmente o mais velho, saíssem à procura de comida e se perdessem ou morressem de fome ou sede. Ele já antevia a futura tapera que ia aparecer no lugar que lhes trouxera tantas alegrias só que essa estaria cercada de pequenas cruzes feitas de varas.

Depois de muito pensamento ruim o Pai deitado na rede imunda e já rasgada toma uma decisão: vai mandar o menino mais velho para a Ribeira atrás dos parentes. Ele sabe que os primos de sua mulher estão também passando dificuldades, mas pode ser que o Olímpio arranje alguma coisa pro menino fazer e ganhar, pelo menos o seu sustento e não morrer no meio da mata, como parece seria o destino de todos eles se não fugissem da quentura, secura, poeira e do fogo do sol que este mata mesmo.

Logo, logo ele manda o menino, ainda uma criança, pegar na capoeira lá de baixo o Beleza e o Pintado, os dois bois de canga que ainda lhes restavam, pois eles o levariam até a Ribeira. O carro ele mesmo iria aprontar, isto é, iria limpar e enfeitar, que é o que ele poderia fazer, pois se estivesse quebrado ninguém poderia consertá-lo lá naquelas lonjuras, mesmo se tivessem dinheiro para pagar.

Ele pegou as bandeirolas coloridas guardadas no baú grande que ficava no alpendre, espanou as teias de aranha e foi até o quintal onde eles deixavam o carro de bois. Lá ele enfeitou o carro como sempre fazia ajudado pelos meninos de tal modo que ficou uma beleza, lembrando os tempos em que todo mundo dizia que o carro de bois do velho Santos parecia um carrossel de feira, todo enfeitado e iluminado.

Quando o menino chegou com os bois o sol ainda estava baixo, mas já queimava muito. Eles logo atrelam a parelha e o menino está pronto para a viagem. Ele leva um pouco de água e alguma comida, que se resumia em um resto de rapadura e um pouco de farinha. A Velha tem esperança e reza muito para que o menino chegue com saúde na casa do primo Olímpio.

Até aí, como sempre fazia, o menino não dizia nada, só obedecia às ordens do Pai, mas quando ele sentiu que nem o chapéu de palhas de abas largas iria impedir a quentura do sol ele pediu para que a viagem fosse feita somente pela madrugada próxima. Ele sabia que não aguentaria o sol quente e a poeira do caminho até chegar na beira do Rio, bem perto da Ribeira. Quando o menino fez o pedido o velho olhou pra ele e, no íntimo concordando com o garoto de doze anos, percebeu que ele era diferente dos outros meninos, ele parece que pensava mesmo.

Na madrugada o menino subiu no carro e com firmeza, usando o chicote de couro cru, pôs os bois em movimento. O tempo de despedida dos pais e dos irmãos foi mínimo, eles achavam não ter uso para sentimentalismos, o que valia era tentar a sobrevivência e para isso era bom que o menino se pusesse logo a caminho. Como o carro já estava velho e muito usado a marcha era muito vagarosa; os bois estavam magros e velhos e o resultado é que a distância até a Ribeira, de cerca de 20 km, foi coberta pelo menino em mais de um dia. Ele teve desse modo de parar no meio do caminho, na Revença, onde seu pai tinha conhecidos e lhe podiam dar guarida por uma noite, só uma noite, pois eles também estavam muito necessitados.

Quando já não tinha mais água o menino entra nas primeiras ruas da Ribeira. Pergunta a um e outro onde é a casa de Olímpio o primo que, certamente, vai-lhe dar guarida. Finalmente ele para o carro de boi em frente ao casebre onde mora o primo, lá pelos lados da Lagoa. Após dizer quem era, e talvez nem fosse preciso, pois todos reconheciam o carro de bois do velho Santos, o primo o acolhe dando-lhe água e comida. O menino desatrela os bois deixando-os em frente ao casebre e consegue água e um pouco de capim apanhado na vizinhança.

O menino, sem contar muita tragédia, segundo recomendações de seus pais, conta como anda a vida lá nos matos. Num tem mais nada. Ta morto. Nóis todo ta muito precisado. Os vizim, mesmo os rico lá da Barra passa fome. Eu vim pra cá pra vê se faço algum trabaio e mando o de comê pra eles. Ao ouvirem calados aquelas palavras o primo Olímpio e sua mulher resolvem levar a criança ao armazém do Coronel Totonho e pedir ajuda.

O único Coronel da Guarda Nacional da Ribeira, o Coronel Totonho, era também o comerciante mais bem-sucedido de toda a região. Era muito rico e, dizia-se, muito bondoso. Olímpio esperava que ele, agora, quando havia chegado a hora, fizesse a caridade de dar um emprego para o filho do velho Santos. O Coronel ouviu da própria boca do menino, como ele havia contado para Olímpio e sua mulher, a história de necessidades por que passava sua família. Ele disse para os dois:

- O menino fica aqui. Ele vai varrer o armazém grande, a casa grande e a bodega do Capitão Joaquim no Mercado. Vai também estudar de noite na escola da Dona Rita que é para aprender a falar direito e escrever e também ler. Ele até pode chegar a ser um Capitão ou mesmo um Coronel, quem sabe?

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