Saturday, June 19, 2010

CONTOS DA RIBEIRA 36


O MAL DE NESTOR

Foi quando Tia Nice provou de sua urina e viu que era doce que Nestor soube ser diabético; isso foi aos 15 anos. Ele nunca se importou muito com a doença, talvez pelo fato de que, em casa não se tivesse informações seguras sobre a gravidade da mesma, sobre o progresso dela. Nem o tradicional chá de pata de vaca que a Mocinha, rezadeira e conhecedora de chás e mezinhas, havia lhe recomendado, ele tomava. Não acreditava. (...)


O que é certo é que quando atingiu a idade de trinta anos ele já estava cego de um olho. Estava no caminho para operar o outro. O famoso oftalmologista que fez a cirurgia, Dr. Laguna, nada lhe prometeu sobre o sucesso da operação que acabava de fazer. Ele perderia a outra visão, mais dia menos dia.

Esse descaso com a doença de seus antepassados, pois era uma marca registrada entre os da família de seu pai, certamente teria de levar a isso. Ele sempre soube que na Ribeira, na fazenda da Malhada Vermelha, um antepassado seu morrera de complicações devidas ao diabetes: ele teve de mandar amputar um dedo do pé e, como isso não fez a doença estacionar, o levou a amputar a perna e a complicações na circulação sanguínea que acarretaram sua morte. Outro, um bisavô, perdeu a vista e, de desgosto, deixou-se morrer de fome. Mais perto seu avô sofreu de complicações neurológicas que, segundo os médicos da Capital, eram causadas pela insidiosa moléstia.

Como morasse sozinho Nestor passou a ter muitas dificuldades devido à perda de visão. Descobriu precisar de alguém que o ajudasse a cuidar da casa, lavar sua roupa, preparar suas refeições e, principalmente, dormir em casa para velar por sua segurança. Dormir em casa era dormir mesmo e mais nada. Depois de muita procura entre conhecidos e parentes, mas sem sucesso, ele resolveu por anúncios em diversos jornais da cidade incluindo pequenos jornais de associações profissionais e jornais escolares. Poucas semanas depois de colocar os primeiros anúncios ele recebe um telefonema que o deixou intrigado.

Era uma senhora que se identificou com o estranho nome de Morana lembrando-o de diversos fatos que teriam se passado entre os dois. Ele logo se lembrou de uma antiga namorada com quem havia passado bons momentos, já fazia alguns anos. Ela lhe disse que, ao ler o anuncio justo no jornalzinho publicado na escola pública de seu bairro lembrou-se da promessa que lhe fizera. Não lembrava?

- E que promessa era essa? Ele perguntou interessado.

- Eu lhe disse que, mesmo depois que você me abandonasse eu daria um jeito de voltar quando soubesse que você estava precisando de ajuda.

- Você acha que estou precisando dessa ajuda que você quer me dá? Eu preciso é de uma empregada que faça o serviço todo de casa e que também durma. Mais do que isso eu não preciso.

- Você pensa que não precisa, mas é essencial que você, na situação em que se encontra conte com alguém que o trate bem e lhe dê um pouco de conforto. A sua vida ou o que resta dela ainda pode ser bem vivida. Além disso, não é alguma coisa que esteja dependendo de você.
- Como assim?

- Eu vou lhe ajudar, de qualquer modo, vou ser sua empregada, enfermeira, serva...

- Pois ta bom! Pode vir até aqui para conversarmos.

Não demorou muito tempo até que a candidata ao emprego em casa de Nestor aparecesse no apartamento. Ele não a reconheceu como nenhuma namorada que tivesse tido. Entretanto, pela conversa dela indicando acontecimentos passados há tempos, ele chegou à conclusão que conhecera alguém que se parecia ao tipo da senhora.

A nova empregada começou logo a trabalhar e mostrou que poderia ser útil nessa quadra triste de sua vida. Havia, no entanto, um problema grande: ela logo demonstrou um interesse mais que doméstico em Nestor. Certa noite, após ter servido seu jantar frugal e lavado as louças e apetrechos de cozinha, a senhora apareceu-lhe na sala para, certamente ver a novela das oito, junto com ele. Quando ele observou-a e a viu vestida com um manto branco totalmente transparente constatou, meio apavorado, que sua nova empregada era nada mais nada menos do que Ella.

Ella disse-lhe que assumira a identidade de Morana, pois desse modo tinha certeza que ele não a rejeitaria de imediato. Se bem que isso não teria nenhuma importância. Sua missão era fazer com que ele aceitasse facilmente a transição. Ella se encarregaria de todos os detalhes, ele que não se preocupasse.

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