TUA HORA AINDA NÃO CHEGOU - HISTORIETAS DE SEGUNDA-FEIRA 254

Ele costumava passar em frente ao cemitério de São João quase todos os dias, pelo fim da tarde, à boquinha da noite. Era um costume compreensível e até saudável, pois fazia parte do itinerário da caminhada diária recomendada pelos suplementos de jornais, programas matinais de televisão e, também, por seu cardiologista. Ele concordava em parte, pois não havia mesmo nada para fazer nessa hora e a aproveitava para diminuir o crédito de tempo que tinha por dia: as irredutíveis 24 horas. Ele até que poderia passar em frente ao cemitério da Família Bardot, mas este ficava trancado e ele não podia verificar se Ella também andava por lá. Havia ainda o cemitério das crianças, às margens da estrada que ia dar na praia, mas este também tinha o acesso vedado depois que a Polícia proibiu o sepultamento clandestino de anjinhos. Em conversas anteriores Ella lhe dissera não ter tido nenhuma responsabilidade nesses casos.

Nessa tarde, com o sol já caindo pro lado da Serra, ele entrou no cemitério e procurou o túmulo de seus parentes. Em pé ele refletia, sem muita profundidade, sobre o que lhe esperava. Subitamente um vento frio lhe passou pelas costas e ele viu que Ella estava presente e, na certa, queria conversar ou coisa pior (ou melhor?). Ella lhe perguntou o que fazia ali, já em posição de viagem e ele não soube lhe explicar. Só lhe disse que tinha muitas dúvidas e poucas esperanças. Essa época do ano era para ele um martírio. Sem pensar muito, completou: - Será que não é possível lhe acompanhar agora? Ella lhe respondeu: - Não! Não chegou tua hora!