Tuesday, October 29, 2013

Pornopolítica e violência “blackbloc” - RICARDO NOBLAT

POLÍTICA - artigo publicado no blog ricardo noblat (o globo 28/10/13)

Pornopolítica e violência “blackbloc”

Carlos Alberto Di Franco
A História mundial está repleta de exemplos inspiradores. E a saga brasileira, também. Os defeitos pessoais e as limitações humanas dos homens públicos, inevitáveis e recorrentes como as chuvas de verão, não matavam a política.
Hoje, no entanto, assistimos ao advento da pornopolítica. A vida pública, com raras e contadas exceções, se transformou num espaço mafioso, numa avenida transitada por governantes corruptos, políticos cínicos e gangues especializadas no assalto ao dinheiro público.
O custo humano e social da corrupção brasileira é assustador. O dinheiro que desaparece no ralo da delinquência é uma tremenda injustiça, uma bofetada na cidadania, um câncer que, aos poucos e insidiosamente, vai minando a República. As instituições perdem credibilidade numa velocidade assustadora.
Os protestos que tomam conta das cidades, precisam ser interpretados à luz da corrupção epidêmica, da impunidade cínica e da incompetência absoluta da gestão pública.
A violência “blackbloc”, equivocadamente, visa chamar atenção de um Estado ausente. É a conclusão a que chegaram os pesquisadores Esther Solano, professora de relações internacionais da Unifesp, e Rafael Alcadipani, professor de estudos organizacionais da FGV-EASP, em recente matéria especial para o jornal Folha de S.Paulo.
A pesquisa consistiu em acompanhar de perto as manifestações, observar, perguntar, conversar com pessoas que utilizam a tática “blackbloc”, policiais e membros da imprensa. O universo “Blackbloc” é composto por jovens que estão na faixa etária entre 17 e 25 anos. São de classe média baixa, a maioria trabalha, alguns formados ou se formando em universidades particulares.
Das conversas que tiveram, e das observações que realizaram, ficou claro que para estes jovens a violência simbólica funciona como uma forma de se expressar socialmente, um elemento provocador que tem o intuito de captar a atenção de um Estado percebido como totalmente ausente.
O uso da violência simbólica também serve, na versão deles, para induzir a sociedade a refletir sobre a necessidade de uma mudança sistêmica: “protesto pacífico não adianta nada, só com violência que o governo enxerga nossa revolta”, a intenção é transgredir, incomodar, deixar visibilidade, chamar para um debate.
Exemplos de frases que retratam isso são: “a causa do ‘blackblock’ agir é o descaso público. As pessoas estão sendo torturadas psicologicamente pelo cotidiano, não somos vândalos, vândalo é o Estado que deixa as pessoas horas esperando na fila do SUS”.
A pesquisa cumpriu um papel importante. Procurou entender o que se passa na cabeça do pessoal e decodificar o seu recado. A violência, não obstante eventuais matizes ideológicos e fortes marcas de vandalismo antissocial, está intimamente relacionada com uma percepção de que o Estado está na contramão da sociedade.
O cidadão paga impostos extorsivos e o retorno dos governos é quase zero. Tudo o que depende do Estado funciona mal. Educação, saúde, segurança, transporte são incompatíveis com o tamanho e a importância do Brasil.
Os gastos públicos aumentam assustadoramente. O número de ministérios é uma piada. A corrupção rola solta. A percepção de impunidade é muito forte. A situação do julgamento do mensalão, independentemente das razões técnicas que fundamentaram alguns votos, transmitiu ao cidadão médio a convicção de que a lei não vale para todos.
Estão conseguindo demonizar a política e, consequentemente, empurrando a democracia para uma zona de risco. Os governantes precisam acordar. As vozes das ruas, nas suas manifestações legítimas e mesmo nos seus excessos, esperam uma resposta efetiva e não um discurso marqueteiro. A crise que está aí é brava. A gordura dos anos de bonança acabou.
A realidade está gritando no bolso e na frustração das pessoas. E não há marketing que supere a força inescapável dos fatos. O governo pode perder o controle da situação.
Nós, jornalistas, tempos um papel importante. Devemos dar a notícia com toda a clareza. Precisamos fugir do jornalismo declaratório. Nossa missão é confrontar a declaração do governante com a realidade dos fatos. Não se pode permitir que as assessorias de comunicação dos políticos definam o que deve ou não ser coberto.
O jornalismo de registro, pobre e simplificador, repercute o Brasil oficial, mas oculta a verdadeira dimensão do país real. Precisamos fugir do espetáculo e fazer a opção pela informação. Só assim, com equilíbrio e didatismo, conseguiremos separar a notícia do lixo declaratório.
Campanhas milionárias, promessas surrealistas e imagens produzidas fazem parte do marketing de alguns políticos e governantes. Assiste-se, diariamente, a um show de efeitos especiais capazes de seduzir o grande público, mas, no fundo, vazio de conteúdo e carente de seriedade.
O marketing, ferramenta importante para a transmissão da verdade, pode ser transformado em instrumento de mistificação. Estamos assistindo à morte da política e ao advento da era da inconsistência. Os programas eleitorais vendem uma bela embalagem, mas, de fato, são paupérrimos na discussão das idéias.
Nós jornalistas somos (ou deveríamos ser) o contraponto a essa tendência. Cabe-nos a missão de rasgar a embalagem e desnudar os candidatos.
Transparência nos negócios públicos, ética, boa gestão e competência são as principais demandas da sociedade. Memória e voto consciente compõem a melhor receita para satisfazê-las.
Devemos condenar a violência “blackbloc”. Sem dúvida. Mas devemos também bater forte na pornopolítica. Ela está na raiz da espiral de violência que sequestra a esperança dos jovens e ameaça nossa democracia.

Carlos Alberto Di Franco, diretor do Departamento de Comunicação do Instituto Internacional de Ciência Sociais – IICS e doutor em Comunicação pela Universidade de Navarra, é diretor da Di Franco – Consultoria em Estratégia de Mídia. E-mail:difranco@iics.org.br

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