Thursday, June 28, 2012

TALZINHO QUER VOLTAR – HISTORINHAS DAS QUARTAS

Todos sabiam na cidade que Talzinho havia morrido já fazia anos. No entanto, ninguém esquecia a figura esquálida, mas querida, do velho chefe. A população ansiava por alguém que dirigisse seus destinos, como fizera Talzinho. E isso por quase quarenta anos. Como se dizia pelas esquinas, ele era uma potência. Em diversos sentidos. (...) A primeira notícia de que coisas estranhas estavam acontecendo foi quando um festejado polímata municipal, em conversa reservada com alguns amigos, relatou os sonhos que estava tendo e cuja personagem principal seria Talzinho. Nesses sonhos Vicentinho via a figura do velho chefe, portando a mesma barba que usou por toda a vida, vestindo uma bata branca e brandindo um cajado; logo no primeiro sonho nosso amigo apurou os olhos e viu que o cajado era, na verdade, uma garrafa de uísque. O velho chefe levava, de vez em quando, a garrafa à boca sorvendo um gole do precioso néctar escocês. Nessa aparição Talzinho reclamava que o povo da cidade o tinha abandonado e ele tinha perdido seu prestígio. 
Segundo dizia era essa a causa de seu desaparecimento prematuro. Agora, ele pretendia arregimentar forças, gente nova, para voltar ao comando dos destinos da cidade tão querida. Vicentinho nada disse em resposta ao antigo chefe, mas decidiu que falaria com alguns amigos que poderiam lhe dar algumas idéias do que fazer. Reunidos os amigos eles foram unânimes em dizer para Vicentinho que ele teria de perguntar como Talzinho queria voltar às suas atividades. Como uma pessoa que morreu poderia voltar à vida? Como ele iria promover o bem estar da cidade se seus correligionários haviam debandado há muito tempo? Essas eram questões mínimas que Vicentinho deveria, segundo seus amigos, colocar para Talzinho da próxima vez que ele lhe aparecesse. Vicentinho memorizou as sugestões dos amigos, principalmente, o Zezinho da Dona Fransquinha, e o Raimundo do Mercado e ficou pronto para a próxima aparição, ou melhor, para o próximo sonho com Talzinho. Segundo as sugestões dos amigos Talzinho deveria aparecer (i.e. ressuscitar), para toda a cidade, em um sábado à meia-noite na Avenida Municipal, com a barba completamente escanhoada, vestindo um terno de linho branco S120 engomado com goma mesmo; ele também deveria trazer uma garrafa de uísque “Black and White” e a sua maquininha de fazer prazer (caso achasse necessário). 
Na ocasião Talzinho deveria trazer, por escrito, todas as suas propostas de governo. Que propostas seriam essas? Ora, a cidade velha tinha tantos problemas que qualquer lista de propostas para se fazer alguma coisa serviria. Como exemplos o grupo sugeria a construção de uma nova ponte de ferro, pois se sabe que a antiga fora condenada pelo Patrimônio; o asfaltamento das ruas do centro (a cidade vai ficar mais quente, mas...); aquisição de banheiros químicos, pois os normais não poderiam mais ser construídos por ter a verba desaparecido; demolição dos velhos casarões, pois constituíam perigo para as pessoas que passavam em sua frente; nomeação de um agrônomo para a Secretaria de Saúde e de um médico para a Secretaria de Agricultura; mandar retirar as poucas hortas plantadas às margens do Rio dado o perigo de contaminação das águas. Os companheiros prometiam que, quando Talzinho tivesse voltado de vera, eles colaborariam com muitas sugestões e mesmo com suas pessoas para comporem a Administração Municipal. Somente poucos concordaram com essa parte. 
Vicentinho escreveu todas essas sugestões para, da próxima vez que Talzinho lhe aparecesse, ele as passasse e discutisse (se ele quisesse). Como as eleições estavam próximas, Vicentinho acreditava que o chefe estivesse muito ocupado em levantar fundos (e mundos) para se sair bem, mais uma vez, na disputa eleitoral. Todos foram unânimes em concordar que Talzinho merecia mais uma chance de fazer o bem à comunidade e por isso se colocariam à sua disposição e de seus cabos.

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