Saturday, February 26, 2011

HISTÓRIAS DE JORGE RAPOSO


MISTÉRIOS

Jorge e Vanessa estavam passando o fim de semana na casa da Prainha. Nenhum dos filhos e netos quis acompanha-los. Eles já estavam enjoados dos fins de semana na praia. Somente o Leluli ainda gostava, nessa época.

A moça havia descido até a praia e já estava demorando um bocado. Talvez ela tivesse ido comprar peixe fresco, de que tango gostava. Ele não esperou mais e resolveu tomar um pouco de vinho tinto e comer umas poucas castanhas de caju. Aparentemente ele se excedeu e, após a terceira taça estava sonolento. Jorge nunca combatia esses pequenos ataques de sono. Continuava a dormir pouco e aproveitava qualquer horário em que tivesse sono para tentar recuperar o que vinha sistematicamente perdendo. Até onde iria isso ele não tinha a menor idéia.(...)


Durante esse sono promovido pelo vinho ele teve alguns pequenos sonhos dos quais somente de alguns ele lembrava. Sonhou com suas tias maternas percebendo o quanto elas tinham comportamento diferente de suas tias do lado de seu pai. Quase todas elas foram acostumadas a ir a Igreja mesmo que fosse sem ter muita fé. As tias maternas, pelo menos as duas mais velhas participavam de congregações e associações ligadas à Igreja e eram amigas do padre.

Sua tia mais velha era casada com o Titio, pois era assim que todos os seus sobrinhos, pelo menos os filhos da mãe de Jorge, o chamavam. Ele era uma pessoa adorável e gostava muito de todos os netos. Jorge e sua irmã imediatamente antes dele, viviam na loja do tio a mexer e a surrupiar latinhas de leite condensado que, após serem esvaziadas eram retornadas à caixa que as continha. O tio, muitos anos depois, dizia para eles que via tudo e só fazia sorrir. Eles moravam em uma casa grande de esquina e com uma área ajardinada. O casal não tinha filhos, mas criava uma mocinha, a Rita que, bem mais tarde casou com o Chico que morava no Alto dos Pescadores e tinha uma bodega no mercado.

As duas outras tias moravam com o casal. A mais velha das duas estava ficando a cada dia mais surda e, no final de sua vida não ouvia coisa alguma. Ela fazia renda em uma almofada de bilros por horas seguidas. Lia muito, jornais e literatura religiosa. Quando se sentava em frente à TV dizia sentir o cheiro das comedorias e doces que apareciam nas propagandas ou novelas. Ia todo santo dia, com seu passo claudicante, à Igreja assistir à missa ou somente rezar.

Certo dia essa tia estava arrumando uma mala, talvez fosse viajar e Jorge, muito criança, estava de pé ao lado dela observando a operação. Notava cada detalhe da movimentação e cada peça que a tia colocava na mala. Ora era um vestido, ora era uma combinação, um jogo de sabonete e pente e perfume. Ele reconhecia tudo. Subitamente seu olhar se dirige para alguma coisa que ele não reconhece, pois nunca havia visto nada igual. Eram dois pedaços de tecido branco unidos por tiras e, parecendo ter duas alças. Ele perguntou à tia:

-Tia o que é isso? Sua tia que ainda escutava razoavelmente respondeu-lhe:

-Jorginho, isto é um califom! E começou a rir. Ele ficou desconcertado com o riso espontâneo da tia e emudeceu adivinhando que ali era território proibido, com certeza.

Jorge acordou de seu sono com a chegada da moça carregando um pacote de papel de jornal com uma arabaiana que certamente ela iria preparar para logo mais.



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