Sunday, May 20, 2007

HISTORIETAS DE SEGUNDA-FEIRA 27




Avião, Morte, Ressurreição.

Ele sentou-se na poltrona marcada 9D no corredor; amarrou o cinto e preparou-se para ler os jornais que trouxera. Jorge sempre levava dois ou três jornais e mais um ou dois livros para ler no avião; com certeza ele não daria conta de todo esse material, mas era precaução, aliás, meio boba, para o caso de ficar sem fazer coisa alguma. O vôo era curto, só três horas, mas cansativo. E quando a aeromoça - agora é comissária de bordo - passou no corredor com seu carrinho e falou, afastando-o de seus pensamentos: “O senhor aceita uma barrinha de cereais? E para beber? Temos suco de caju, suco de manga e guaraná diet”, ele respondeu:

- Aceito. E um suco de caju, por favor.

Mastigando a barra insípida e engolindo com ajuda do suco ele rememora seus pensamentos de há pouco. Já no “check-in” pensava no vôo e como seria, caso o avião caísse. Não que ele tivesse medo de morrer; isto já fazia parte do passado. Ele pensava em como ficariam “as coisas” com a sua morte: como ficariam seus filhos e netos, quem retomaria seu trabalho, a casa da praia seria vendida? aquelas paqueras será que chorariam? Ele agora tinha esses pensamentos intrusivos no dizer de uma amiga (Será que ela choraria?). Eram pensamentos que chegavam e tomavam o lugar daqueles outros, normais (?), do dia-a-dia, mas não chegavam a perturbá-lo em demasia.

Durante a aterrissagem, e nos instantes em que o avião taxiava e aproximava-se da cegonha ele ficou tranqüilo. Então a aeromoça, notando seu largo sorriso zombeteiro perguntou-lhe:

-Precisa de ajuda Senhor?

Jorge pensou antes de responder: “Saio do caixão em que me encontrava e tudo volta ao normal: minha vida besta, a família, a coleção de borboletas e outras coisas, enfim tudo. Tudo normal como era antes da viagem. A única mudança é o novo cenário a descobrir ou redescobrir: pessoas, ruas, monumentos, museus, restaurantes, cinemas, livrarias, o escambau. Tudo o que faz parte da minha vida e da vida de todo mundo.”

-Não, obrigado, acabo de descer das minhas nuvens.

No comments: