Wednesday, February 17, 2010

HISTÓRIAS DE JORGE RAPOSO 39


VAMOS SOLTAR UMA BOMBINHA?

Jorge gostava de ler sobre o conturbado período entre as duas guerras mundiais: a ascensão do nazismo e do fascismo, perseguição às chamadas raças inferiores, batalhas da Segunda Guerra Mundial. Interessava-se também sobre a Revolução Russa, sobre o socialismo, comunismo e, mais tarde sobre a Revolução Cubana. Ele gostava de se informar sobre os movimentos revolucionários na América Latina no século XX. Enfim, ele aparentava ter um espírito belicoso, o que não era mesmo verdade. (...)


Nesta tarde estava lendo um pequeno livro onde era narrada a ascensão do nazismo do ponto de vista da população de uma pequena cidade do norte da Alemanha. Ele estava impressionado com as transformações ocorridas com as pessoas amigas que se tornavam inimigas pelo simples fato de um ser o que se tomava por ariano e o outro por ser judeu.


Ao deixar de lado o livro ele começou a pensar e dialogar consigo mesmo a respeito do que acontecera no país nos primeiros anos após o golpe de 64. Jorge recorda como ele era tido como sendo de direita quando na realidade suas simpatias, se as tinha, não eram exatamente classificáveis como de direita. Certamente também não era de esquerda.
Nessa época ele já não achava que se podia classificar as pessoas como sendo de esquerda ou de direita. Não se poderia ter alternativas? Mesmo chamando alguém de centrista, isso para ele não era adequado. Ele poderia se chamar, por enquanto, de apolítico.


Na Universidade, na época da greve do “terço”, ele estava muito ocupado tratando de dar início à sua escalada em Bioquímica e, em seguida viajar para os Estados Unidos para fazer pós-graduação. Lembra-se dos dias em que o campus foi tomado pelos estudantes e os professores ficaram quase que reféns dos discípulos, embora armados até os dentes, pois achavam que deviam guardar com toda a força sua Universidade. Ainda durante a greve ele viajou tendo voltado antes da “gloriosa”. Seu pai, Jorge Filho comentou com tristeza para ele, no dia 1 de abril:


- Meu filho isso vai durar uns vinte anos!


Ele não queria acreditar e continua a achar que seu pai também tinha esperanças de uma reviravolta na situação e a paz voltaria antes de longas duas décadas. Nada. O tempo demorou a passar e ele viu o País se dividir.

Durante o curso na Universidade ele tinha convivido com muitos colegas que se diziam de esquerda e outros muitos que eram de direita. Todos eles eram uns sonhadores, pois não entendiam nada do que estava se passando. Será que ele entendia?


Ao voltar após quase um ano nos Estados Unidos assumiu a posição de Professor Assistente. Naqueles tempos, nem bons nem ruins, não se faziam concursos. Os jovens professores eram nomeados por interferência de patronos de prestígio junto à administração.


Jorge lembra-se muito bem da abordagem que o Zé Antônio fez a ele, nos idos de 68, na sede do Departamento, ainda no Benfica, onde ele trabalhava. O Zé telefonou antes marcando um encontro no prédio do Departamento, vizinho à Reitoria. Jorge marcou a conversa para o fim da tarde, pois era o único horário de que ele dispunha devido às múltiplas tarefas em que se envolvia: leitura de separatas que haviam chegado experiências no laboratório, leitura de manuscritos de tese, um pouco de burocracia, e muito mais. Ele sempre se ocupava, mal sobrava tempo para o cafezinho e as fofocas normais no grupo. O Zé Augusto chegou pontualmente às cinco horas. O Zé era um dos muitos colegas de faculdade que tinham conseguido passar nos exames para técnicos da Petrobrás. Ganhava uma nota e era filiado ao Partido Comunista, aliás, toda sua família era comunista de carteirinha.

Após as costumeiras palavras e comentários iniciais o Zé entrou de chapa como se dizia naqueles tempos:

- Jorge, eu sei que você não está de acordo com o que está se passando no País por isso eu tenho um pedido a fazer...


- O que é Zé Antônio?

- É o seguinte. Nós vamos fazer uma operação e precisamos jogar umas bombas em um prédio que vamos invadir. Precisamos de sua ajuda. Você mexe com produtos químicos explosivos e nos poderia ajudar.


Jorge lembrou-se do frasco de um quilo de ácido pícrico exposto em uma prateleira, sem maiores cuidados. O Departamento tinha em estoque outras substâncias químicas que, facilmente poderiam ser utilizadas para se fazerem bombas caseiras. Por curiosidade perguntou qual prédio eles estavam planejando invadir. O Zé respondeu:


- Isso é segredo, mas como você vai nos ajudar eu te digo: é a Agência Central do Banco do Brasil. Jorge riu bastante e deu a resposta a seu colega:

- Zé, eu não vou entrar nessa. Não tenho espírito revolucionário nem a mínima vontade de participar desse plano de vocês.


Zé Antônio ainda quis avançar conversa, mas Jorge o interrompeu delicadamente:


- Não Zé. Não dá!


O colega foi embora e ele retomou suas atividades, pois saia do Departamento depois de seis e meia, quando sua mulher vinha apanhá-lo no fusca velho.

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