
LÍVIO BARRETO escreveu este poema em 1892 e o dedicou a Luis Felipe de Oliveira
DE VIAGEM
Há pouco findou-se o dia;
Desce a noite e se apresenta
Calma, pesada e sombria,
Hirta, brutal, macilenta.
Um manto de sombras densas,
– Frio capuz de tristeza,
Cobre toda a Natureza
Com suas dobras imensas.
Nos ermos mansos, tristonhos,
Nas amplas várzeas desertas,
Como fantasmas de sonhos,
Vagueiam Sombras incertas.
Tênues, ignotos aromas
Vêm das florestas dormentes,
E os arvoredos gementes
Agitam de leve as comas.
A lua, alva flor de prata,
Fria camélia ao relento
Deixa cair em cascata
Seus raios do firmamento.
A fria, trêmula aragem
Vai deitando em rodopio
As folhas secas da margem
Sobre a corrente do rio.
E a estrada, a caracolar,
Se mostra, e desaparece,
E ao caminheiro parece
Branca serpente ao luar.
Gritos e pios das aves
Noturnas juntar-se vêm
Às notas sentidas, graves,
Que o seio da noite tem.
Uma tristíssima cruz
Ereta ao lado da estrada,
Modesto emblema, traduz
Uma desgraça ignorada.
E um mocho naquele emblema,
– Oliveira daquele horto, –
Nobre piedade suprema!
Vela sobre o infeliz morto.
Mas a noite vai passando,
Não tarda que cante o galo...
No entanto sobre o cavalo
Eu vou cismando, cismando...
Cismando em eras passadas,
Arrojando a fantasia,
Louca, furiosa, erradia,
Através destas estradas.
Em meus revoltos cabelos
O frio sopro do vento
Deixa a umidez do relento
E leva-me os pesadelos.
A longos haustos sensuais,
Cheio de um íntimo gozo,
Sorvo este ar generoso
Que a madrugada me traz.
E esta frescura amaviosa
Que o peito em brasa me invade,
Leva-me e a dor tenebrosa
Toda diluída em saudade!
Ouve-se o canto do galo
E a aurora vem despontando...
E triste, sobre o cavalo
Eu vou cismando, cismando...
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