Sunday, June 06, 2010

CONTOS DA RIBEIRA 35


O CORONEL E SEU EMPREGADO

Joaquim, moço boa pinta, estava noivo e queria um emprego, pois de outra maneira o futuro sogro, professor na Escola Municipal, não permitiria seu casamento com a Maria Rita, morena bonita cuja mão era desejada por muitos. Acontece que o rapaz não tinha a quem pedir um emprego apesar de ter uma ideia onde pudesse trabalhar. O armazém do Coronel Zeferino Moita lhe parecia ser um lugar bom para isso. (...)


Ele conhecia alguns dos caixeiros de lá e tinha certeza que se daria bem se tivesse um emprego com o velho Coronel. Agora esse homem, apesar de ter fala mansa, parecia ser muito brabo; os filhos homens que o digam: o Valdemar, o mais novo era o cão de briguento e namorador e o Raul, o mais velho era aquietado, mas gostava muito de jogar cartas. O resultado das confusões armadas pelos dois fazia com que o Coronel ficasse doente de raiva e os castigava cortando-lhes as mesadas. Mas o Joaquim achava que, se trabalhasse no armazém, não teria muito contato com ele, pois seu chefe imediato seria certamente o Narcizo, ajudante de primeira linha do Coronel e primo de sua mãe e que era uma pessoa muito boa. Acontece que esse primo não tinha esse prestígio todo com o Coronel e não se atrevia a pedir um emprego para o Joaquim. Mas, uma solução logo surgiu quando ele lembrou que morava em Sobral um grande amigo do Coronel, o também Coronel, Felisberto do Monte. Este certamente poderia conseguir o emprego para o rapaz. Decidiram que o Joaquim viajaria para a Princesa do Norte no horário da manhã de segunda-feira para encontrar o amigo do Coronel antes da hora do almoço no seu armazém. Joaquim levou uma carta de Narcizo apresentando-o e já dando ciência do problema, ou melhor, do pedido que o jovem faria. Narcizo, na carta, fez os maiores elogios ao jovem, apesar de ter algumas pequenas restrições ao comportamento do primo. Joaquim, com a boa conversa que tinha, conseguiu que o Coronel Felisberto do Monte fizesse uma carta ao Coronel Zeferino recomendando-o a um emprego no Armazém do amigo. Na carta Felisberto do Monte tece os maiores elogios a Joaquim, diga-se de passagem, mesmo sem conhecê-lo, mas pelo simples fato de ter sido cativado pelo jovem.

Logo que volta, no dia seguinte, Joaquim procura falar com o Coronel Zeferino em seu Armazém e lhe apresenta a carta do amigo sobralense com o pedido de emprego. Após a esperada surpresa o Coronel pergunta pelo amigo, pois quer saber de suas boas notícias e de sua saúde e de todos da família. Joaquim responde com muita propriedade e então o Coronel Zeferino começa a fazer-lhe perguntas sobre suas aptidões e comportamento. O fato é que o jovem consegue o emprego em uma situação de aprendiz junto ao primo Narcizo que era o que mais Joaquim almejava. É bom que se diga agora que o Coronel Zeferino era muito experiente e passado na casca do alho, como se diz no sertão. Ele deu o emprego, mas comprometeu-se consigo mesmo a vigiar as atitudes e o comportamento do rapaz.

Joaquim começou a trabalhar logo no começo de dezembro e, devido a sua boa conversa, transformou-se num bom ajudante, prezado pelos colegas. O Coronel mantinha como prometera a si mesma, observar o comportamento do primo de Narcizo.

Os dias passaram e chegam o Natal e o Ano Novo e nada de muito diferente acontece, pelo menos a vista de empregados e fregueses do armazém do Coronel que ficava bem na Praça do Mercado e por isso era muito movimentado.

Aconteceu logo depois do Carnaval quando o Coronel Zeferino recebeu uma carta de seu amigo Coronel Felisberto do Monte. Como era costume do primeiro de guardar toda sua correspondência a sete chaves ninguém viu a carta que seu amigo sobralense havia feito, mas sabe-se de alguns detalhes dos motivos da demissão de Joaquim pela carta que ele fez e que foi violada pelo positivo amigo de Narcizo. Temos, portanto a oportunidade de transcrever aqui o que o Coronel Zeferino escreveu:


“Ribeira, 20 de Fevereiro de 1885

Coronel Felisberto do Monte

Sobral

Só agora posso dar resposta a sua última carta na qual indaga sobre o seu recomendado o Sr. Joaquim da Silva. Como você deve saber, não costumo trazer aperreados os meus empregados, mas não cesso de velar sobre eles já tomando em muita consideração o seu comportamento e atividade e já indagando sobre o seu procedimento em minha ausência, com seus passeios e divertimentos que nada me escapa, e muitas vezes faço-me desapercebido por que não gosto de envergonha-lhos com repreensões, mas creia que vivo inteiramente a par de tudo que se passa com eles porque indago incessantemente e não quero culpá-los sem provas.

O Sr. Joaquim da Silva logo que chegou foi indo regularmente; eu sei que ele foi a Praia Grande, que não conhecia, e tendo participado de um Salão de festas, lá arrematou alguns objetos por preços que não estavam de acordo com os seus ganhos. Não quero dizer que se utilizasse de dinheiro do Armazém, mas, embora fosse seu devia ter cautela, mais que essencial ao homem que quer seguir o comércio. Depois ainda esquecendo estes bons princípios (e de sua) prodigalidade fez várias dádivas até aos criados da casa. Mais tarde é visto tirando fazendas da loja sem me pedir licença e mandado fazer roupas, e usando de dinheiro da loja para festas e leilões. Destas últimas vezes debitou-se pelo dinheiro. Por fim, entendeu que devia divertir-se no Carnaval e saiu de máscara sem me comunicar, isto no domingo, e na terça-feira fez melhor, saiu de casa às 8 horas da noite e só veio chegar no outro dia às 6 horas da manhã!

Creio eu poder dizer-lhe que não me serve um empregado nestas condições, assim, pois o tenho despedido de nossa casa seu recomendado.

Disponha do Amigo

Zeferino Moita”


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