Monday, November 30, 2009

LAB 2038


Não é meu costume postar textos ou fotos que lembrem “as coisas” que eu fazia antigamente. Entretanto, de vez em quando sou tentado a fazê-lo. E quando um amigo antigo estudante e companheiro de cerveja, (re) lembra daqueles tempos dá vontade de fazer propaganda daquilo que já foi: um lugar onde se fazia pesquisa com seriedade e alegria. Era o Lab 2038.
Esta sigla (era o número da sala) identificava o laboratório deste blogueiro quando era professor de Bioquímica Vegetal na Universidade Federal do Ceará. Já faz muitos anos. As fotos foram tiradas poucos dias antes de minha partida para outros campos.



Cláudio Picanco
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Para: Jose Xavier Filho
________________________________________
Caro Professor Xavier,

Tava aqui com a Marcinha, cheguei agora, tomamos chope na São Salvador, uma praça charmosa perto de minha casa em Laranjeiras. Ela mandou um beijo pra você, dela. É uma morena, amiga minha da Elenir e da Illona, andava as vezes no 2038.

Ela é minha comadre duas vezes, madrinha do meu filho Felipe e agora do meu casamento com a Carol que é do Jornalismo aí da UFC, a Ana Maria conhece.

O que falávamos era que o 2038 foi o laboratório grande formador de pessoas com asas. A formação foi tão boa que cada um seguiu o caminho como quis, sem medo. Você sabe disso, tem gente do 2038 em vários cantos do país, não ficamos atrelados ao departamento de bioquímica, como tantos outras pessoas formadas nos laboratórios de lá.

Enfim, é cedo pra isso, mas mando logo meu feliz ano novo, aproveitando a cerveja na cabeça e as lembranças das tomadas de cerveja no final do dia, nas sextas feiras, embaixo de magueiras, nos bares na Humberto Monte.

Um abraço.

E um blog, ou fotolog do 2038 não vai fazer? Cabe a nós fazermos?

Inté


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Sunday, November 29, 2009

HISTORIETAS DE SEGUNDA-FEIRA 149


O JORNAL

Na Beira-mar ele encontra o Cristiano, amigo de velhas datas.

- Rapaz, porque você compra jornal todos os dias aqui na Beira-mar?
- Ora, porque quero ajudar o Zé Raimundo. Ele é meu amigo, conhecido de muito tempo.
- E você lê o jornal?
- Não!
- E então?
- Quando já estou longe e o Zé Raimundo não está olhando eu jogo o jornal fora.
- Ah...


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Saturday, November 28, 2009

CONTOS DA RIBEIRA 18


CASINHA DE BONECAS.

Hoje, quando se comemora o dia do índio e também do massacre dos judeus em Lisboa os bonequinhos foram tomados de surpresa, pois descobriram, ao chegar à frente da casinha que ela estava fechada; sua dona sabia que, por causa dos feriados, além daquele que se comemorava em sua própria casa, estaria tudo fechado. Mas ela não avisara aos bonequinhos e bonequinhas que todos os dias vinham brincar. (...)


A dona brincava com meninos e meninas, todos feitos de plástico dos mais diversos tipos e cores e origens, havia até uns que, de tão velhos, caiam aos pedaços, mas outros ainda levavam seus leitinhos para a merenda, pois a Judite não dava merenda, ao contrário, ela exigia tudo dos bonequinhos e bonequinhas: quem quisesse participar e continuar na brincadeira tinha de prestar vassalagem a ela sob a forma de merengues, sucos e outras finuras. O mais interessante é que ela, mesmo com todas as limitações conhecidas só tratava seus bonequinhos e bonequinhas a coices dados ao léu, e que quando os atingiam causavam muitos estragos.

Para se tentar entender o estranho comportamento de Judite é necessário que se esclareçam suas origens. Essas são registradas desde os tempos da Rainha Juliana I da Holanda. Essa era filha adotiva da Rainha Vitória da Inglaterra, neta de Julio César, primeiro Imperador romano e gostava de andar peada pelos campos da Andaluzia, fazendo par com Incitatus, a cavalgadura do primo Calígula. Foi em um desses passeios, acompanhada por seu escudeiro Aquilino, o fiel Bobo da Corte, que conheceu Roderico, O Godo, que logo lhe fez um filho a quem foi dado o nome de Josephus Josephi que foi, a seu tempo, um importante bufão da corte de Dom Sebastião, O Esperado. Esse Josephus Josephi é o antepassado mais conhecido de Judite.

A parte da brincadeira com os bonequinhos e bonequinhas da qual ela mais gostava era quando podia - quase sempre - usar os cordõezinhos de fio de alpaca que faziam os bonequinhos dançar e falar. Há de se notar que os machos dançavam bem melhor do que as mulheres, eles eram verdadeiros Nijinskis. Para compensar as meninas gostavam muito do rela bucho.

Outra qualidade das brincadeiras eram os pontapés, coices e marradas que Judite dava nos brincantes quando ela começava a enjoar deles, bem de acordo com sua ascendência e criação em diversos haras da Europa. Os mais rebeldes dos amiguinhos reclamavam, mas nada; um deles chegou mesmo a comprar um relho de couro cru e um par de peias de couro curtido, mas não deu em nada, pois antes que ele fizesse alguma coisa Judite mandou seu namorado novo jogá-lo no rio cheio. As brincadeiras continuaram por muito tempo, por muitos invernos até Judite viajar para a Cucuia, que ninguém sabe onde fica e de onde não mais voltou. Poucos meses antes de sua viagem Tiradentes montou consultório bem na Rua do Azevedo, especialmente para tratar da dentadura de Judite –de 36 dentes – e de seus brincantes.

Logo que as tais brincadeiras começaram a amiga preferida, pois existia uma, lhe disse: - Você aprende a dar esses coices direito senão aparece um menino rei desses e lhe dá uma chicotada e lhe põe uma cangaia e umas peias e lhe solta bem longe no pasto do seu padrinho. Judite nada disse, mas ficava imaginando como seria difícil isso, pois ela era “Judite, a verdadeira manga-larga”!



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Friday, November 27, 2009

POEMAS BARRETO/XAVIER 93

Este poema de Lívio Barreto, de acordo com Sânzio de Azevedo, é o que mais ressalta o seu Simbolismo.


POEMAS NOTURNOS


Vai tarde a noite. Todo o azul cintila
Como uma azul, nostálgica pupila.

Vão as estrelas como virgens louras
No terraço do céu passeando e rindo,
As amplidões profundas, sonhadoras,
As longas tranças d´oiro sacudindo.

E com a paz magnânima de um crente
Reza o Silêncio taciturnamente.

Para as bandas do sul as nuvens correm
Como blocos de gelo sobre o mar;
Brancas, tão tênues que de tênues morrem;
Cansa-se a vista para as alcançar.

Gemem do vento as quérulas surdinas
No órgão melancólico das ruínas.

Uma estrela destaca-se, brilhando
Mais do que as outras, luminosa e bela;
E eu fico ansioso e trêmulo cismando
Ó minha amada, se é a tua estrela.

Pálida, corta a Estrada de Santiago
O céu profundo, acinzentado e vago.

Tudo o que eu vejo em cima é triste e doce,
Misteriosamente concentrado,
Como se acaso tudo em cima fosse
Como o meu peito pela dor trancado.

Na imensa aquosa solidão dos mares,
Quantos nautas cismando nos seus lares!

Esses têm lares e eu não tenho, olha,
E também vou sobre este mar, querida,
E o malmequer que, pálida, desfolha
A tua mão é mais do que eu com vida!

Do azul longínquo vai a lua em meio,
Monja da noite de rosário ao seio.

Vai longe a noite; quem me dera o dia!
Estou cansado desta solidão...
Ó sol, acaba esta melancolia
Que a lua deixa no meu coração.

- Fevereiro 94 -
A gravura é "A lua" de Mucha.





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Wednesday, November 25, 2009

HISTÓRIAS DE JORGE RAPOSO 30

Man Smoking a Pipe, por Whistler, circa 1859 (Allposters.com)


O AMIGO DOCA

Vanessa e Jorge tinham ido para a Prainha passar o fim de semana. Ele gostava de ficar lendo, deitado na rede azul e olhando, de vez em quando, o mar de um verde-esmeralda de cegar. Após terem almoçado uma peixada de arabaiana regada com uma cerveja no restaurante do Seu Chico da Cruz, eles voltaram para casa. A moça foi ouvir um pouco de jaz no toca discos; ele não apreciava jaz, mas não se incomodava de ouvir. Ele podia ler sem perder a concentração mesmo ouvindo música que não gostava. Ele estava lendo o Dom Quixote; o livro se enquadrava no rol daqueles que ele sabia que deveriam ser lidos em sua tentativa de “quitar o seu tremendo déficit cultural”... Após ter lido dois ou três capítulos da segunda parte ele pôs o livro no chão, ficou olhando o mar e começou uma “sessão de pensamentos internos”.

Ele como que dirigiu sua mente clara para o tempo em que orientava estudantes de mestrado. Fixou-se em Doca, um de seus alunos preferidos, talvez porque ele o achasse bem-parecido consigo mesmo. (...)


Doca foi um dos melhores alunos que ele teve. Era um pouco mais velho do que a maioria, mas esta não era a razão de seu brilho. Nenhum de seus colegas gostava dele; diziam que ele era pretensioso e fuxiqueiro. Jorge não concordava e dizia que eles tinham ciúmes. Doca fumava muito, enquanto ele Jorge, já tinha largado o vício há bastante tempo. Viviam brigando, pois ele deixava cair cinzas e pontas de cigarro por todo o laboratório. Bom, isso era no tempo em que o câncer de pulmão e “a ecologia” ainda não estavam na moda. O Doca passou a esconder os resultados que obtinha. Jorge não tinha a menor ideia do por que dessa atitude. Ele descobriu que estava enciumado com o Doca pelo fato de que ele estava se revelando ser diferenciado em muitas áreas. Jorge descobriu também que o pupilo estava assinando uma revista inglesa de literatura e cultura. Ele concluiu que seu aluno estava “invadindo” a seara dos Raposo e isso era inadmissível!

A convivência foi se tornando insuportável; além do ambiente pesado havia questão da tese que o moço teria de terminar mais cedo, pois iria fazer doutorado fora do país e só com esse requisito cumprido ele teria licença.

Jorge lembrava sempre do “pega” que os dois tinham tido quando estavam sós no laboratório. Ele fechou a porta à chave e começou a reclamar do aluno seu desleixo, agressividade e sua inveja. Disse-lhe que tivesse calma que chegaria a ser tão bom, ou melhor, que ele. Isso foi dito aos gritos e retrucado pelo Doca que o chamou de pretensioso e egoísta. Ao fim de uma meia hora de agressões mútuas, Doca começou a chorar e lhe disse que o considerava como um pai e queria ver “tudo isso acabado”. Jorge achou que ele estava certo e terminaram abraçando-se. Ao voltar para casa começou a pensar por que tinha iniciado aquela cena.

Quando Vanessa o chamou com sua voz meiga ele se assustou, mas ela não percebeu:

- Vamos tomar um café bem esperto com aquelas tapiocas que compramos lá embaixo.

- Certo, certo. Café com tapioca é gostoso...

- Depois voltamos. Te deixo no apartamento e vou para o meu escritório, tenho muita coisa para fazer ainda hoje.

Ela tinha o dom de dizer as coisas e fazê-las aceitar sem discussão.


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CARVALHO MOTTA


COMERCIANTE, CAPITALISTA, POLÍTICO, ADMINISTRADOR.

ANTÔNIO FREDERICO DE CARVALHO MOTTA era o 3º Vice-presidente do Estado do Ceará quando o Comendador Antônio Pinto Nogueira Accioly foi deposto em janeiro de 1912. Ele assumiu a Presidência e foi instrumental na manutenção de um mínimo de ordem após a derrocada da oligarquia aciolina. Registros sobre sua administração são praticamente inexistentes além do que Carvalho Motta é um completo desconhecido para o povo de sua terra, seja de sua cidade natal, Granja, seja do Estado para o qual ele sacrificou um promissor futuro político.

O responsável por este blog apela para os leitores que tenham conhecimento dessa importante personalidade de nossa história e que desejem colaborar para o resgate de sua imagem que entrem em contacto pelo endereço eletrônico (jxavierfilho@yahoo.com.br) ou por meio do blog.

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BERENICE XAVIER/CLARICE LISPECTOR


Berenice Xavier, granjense do Rio de Janeiro, interpreta Clarice Lispector.

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Tuesday, November 24, 2009

HISTORIETAS DO MEIO DA SEMANA 108


NA CATEDRAL

Após terem feito cinco cidades no norte da Europa eles chegam a Roma, cidade plena de tradições. Logo no primeiro dia, para não perder tempo precioso, eles visitam a imensa e secular igreja, palco de peregrinações e visitada por turistas de todo o mundo. A Igreja de São Pedro pedia silêncio quase sepulcral, principalmente em sua enorme nave, para que todos se concentrassem e orassem. Além disso, seu piso de mármore com inscrições em latim incrustadas pede por um grande silêncio. Pois bem, vagando aleatoriamente pela nave ela caminhava, caminhava não, ela trotava em cima dos seus enormes tamancos de madeira. A cada passo que dava ela punha mais algumas notas na sua composição brega que ressoava por entre as enormes colunas negras do baldaquino. Eles lhe pedem que tenha cuidado, respeito, pois estava exagerando em sua melodia. Ela, com um olhar de quem nada entendera pergunta:
- E o que é que tem?


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Sunday, November 22, 2009

HISTORIETAS DE SEGUNDA-FEIRA 148


VIAGEM À EUROPA

No calçadão ele encontra o colega de longas datas. Tiago faz-lhe a costumeira pergunta:

- Onde você andava, rapaz?
- Estava viajando...
- Em Brasília?
- Eu hein? Brasília é só para os políticos...
- E onde você estava viajando?
- Fui à Europa...
- Você?!
- Ué, eu! Não posso?
- Não, você merece...


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Saturday, November 21, 2009

CONTOS DA RIBEIRA 17


“ERAS FATAES” OU O CLUBE

Logo cedo Zelito e Sileno preparam-se para ir à praia: vestem seus calções de banho e põem a camiseta com o emblema do Castelo, tomam um café bem ligeiro e vão pegar o ônibus do Meireles na Praça. Eles costumavam ir para a praia do Náutico aos domingos e lá encontrar com Jorginho. Seu pai dizia que era bom para a saúde física e também para a mental e eles concordavam, mais com essa última idéia, se bem que ficavam calados. Eles ficavam na areia tomando sol e, ao mesmo tempo, ficavam de olho grudado nas meninas que se bronzeavam por ali. Nenhuma delas olhava para qualquer deles, mas isso não tinha a menor importância. Eles formavam um tipo estranho, pois namorada na capital não tinham; meninas, só as da Granja, talvez eles tivessem medo de se chegar às da cidade grande. (...)


Quando era para entrar na água só Zelito e Sileno iam, pois Jorginho tinha medo do mar, desde quando ele perdeu um jacaré e foi jogado na areia, ali mesmo em frente ao Náutico, vomitando água, todo arranhado e assombrado. Entrar na água, nunca mais! Ele era assim, meio que radical. Ele só gostava da água das piscininhas, feito menino. Enfim, estavam os três, nesse domingo, deitados na areia quando Jorginho falou:

- Vocês vão passar o Carnaval na Granja?

Ele não esperou pela resposta e foi logo dizendo:

- Eu acho que eu vou, já faz um tempão que não vou lá e Mamãe reclama o tempo todo. Vou ter de voltar na quarta de manhã.

Um dos gêmeos diz:

- A Mamãe também pediu pra gente ir, nem que fosse só no sábado para voltar no outro.

Sileno continuava calado, riscando a areia molhada com um graveto. Mas disse logo a seguir:

- Se a gente quer ir tem de procurar transporte, pois o caminhão lá de casa ta quebrado e não vai sair do conserto tão cedo.

Jorginho sugere que eles procurem logo na segunda as passagens de ônibus ou um transporte qualquer na agência do Seu Edson. E completa:

- Pode deixar que eu vou procurar amanhã; tem que ser quatro lugares, pois na certa o Raimundinho vai querer ir também e vai ser bom a gente ir junto.

Depois de baterem bola um pouquinho, entrarem na água de novo - isto é os gêmeos - e chuparem picolé os amigos tomam o ônibus de volta pra casa. Jorginho desce logo na esquina da Nogueira Acioli enquanto os dois vão até a Praça do Ferreira e de lá vão gramando até em casa, na General Sampaio.

No dia seguinte, no Liceu, Jorginho encontra o Raimundinho e diz que eles vão passar o Carnaval na Granja e se ele não queria ir também: ia ser bom os quatro juntos, na festa da Prefeitura! Aí Raimundinho, vê que Zelito e Sileno vão também e imagina que vai ser uma viagem legal. O amigo concorda, mas diz que vai ser difícil, pois dinheiro ele não tem, mas tinha certeza que Seu Pedão lhe arranjava, pelo menos o da passagem.

- Vocês estão pensando na festa da terça na Prefeitura, não é?

Jorginho diz que é mesmo e seria bom se fossem, pois na certa encontrariam as meninas todas e podiam pular à vontade com elas, quem sabe até... Ele lembra ainda que tem alguns problemas.

Os dois voltam para a classe para assistirem a última aula, de Matemática, do Prof. Alcy, que era muito exigente e meio sarcástico e de quem nem todos os alunos gostavam. Jorginho gostava das aulas de Latim, dadas pelo Osvaldo, ex-seminarista, mas também exigente como todo. Já o Raimundinho tinha um pouco de dificuldade e os colegas diziam que ele era meio burrinho. Eles não tinham muita idéia de como era a vida do Raimundinho, mas ele não tinha nada de burrinho.

Na saída os dois se encontram novamente e o Raimundinho diz:

- Vem cá Jorginho tu acha que eu vou entrar na festa da Prefeitura?
- E por que não? Tu deve alguma coisa lá?
- Sei lá... Tem sempre um probleminha...
- Olha, vamos mandar fazer a nossa fantasia que depois a gente resolve tudo.
- Fantasia, rapaz? É melhor só uma camisa florida, é mais barato.
- É, talvez, pode ser uma camisa bem colorida, com flores bem encarnadas, verdes, sei lá... A Raimunda pode fazer bem baratinho pra gente e ela ta na casa dos meninos.

Jorginho lembrou que a Raimunda, costureira afamada da Granja, estava na casa dos gêmeos, passando uma temporada para se curar de uma doença que ele não sabia qual fosse, mas que era meio braba. O bom é que ela continuava trabalhando, como sempre. Vai daí que ela talvez pudesse fazer as camisas deles. Os dois resolveram que iriam logo passar na casa dos meninos e combinar tudo. Eles tomaram o ônibus do Jacarecanga e desceram na esquina da rua onde morava o Coronel - ainda chamavam de Coronel o pai dos gêmeos. Eles já tinham chegado do colégio e já estava quase na hora do almoço, por isso os dois se apressaram para conversar sobre a viagem e a festa, pois não iam filar o almoço da Joana.

- Raimunda vem até aqui na sala! Gritou Sileno.

Logo chegou uma senhora de óculos sem aros, cabelos pretos e meio ondulados, de uma idade indefinida, e de tez acobreada como de resto quase todo mundo da Granja, pois a ascendência índia era patente na maior parte da população. Raimunda foi logo perguntando:

- Que é que vocês querem meninos?
- Mundinha – era assim que eles chamavam a costureira, amiga da casa – a gente quer que você faça as camisas pra gente ir pra festa do Carnaval.
- E quantas são?
- Quatro: a minha, a do Sileno, a do Raimundinho e a do Zelito, diz logo Jorginho. A gente vai pagar assim que arranjar o dinheiro.
- Para o Raimundinho, também?
- Sim, também. Responde Jorginho.
- Certo, mas e a fazenda? Você podia pedir à Maria Isaura para tirar na loja do Seu Jean, lá na Praça do Ferreira. Se ela mandar eu vou logo depois do almoço e trago.
- Ta certo, eu telefono daqui e peço a ela.
- Então ta certo e eu nem preciso tirar as medidas de vocês eu faço pelas medidas do Sileno que eu tenho aqui, vocês são tudo do mesmo jeito... Quarta ou quinta estão prontas.

Volta o Jorginho da outra sala dizendo que a irmã havia dado ordem para a Raimunda tirar as fazendas no Seu Jean. E quem iria pagar tudo seria a Maria Isaura da conta dela mesma ou da sua mãe.

Os dois colegas se despediram e foram caminhando até a Praça do Ferreira, onde ficou Raimundinho na merendeira do Seu Pedão e Jorginho tomou o ônibus, pois já estava passando da hora do almoço e ele não queria ficar sem comer, sua irmã não dava mole, quem não estivesse na hora do almoço não comia. Raimundinho comeu o normal, um cai duro e uma garapa de cajá e se aprontou para trabalhar até sete horas que é quando ele vai pra casa na Cachorra Magra.

Raimundinho morava na Cachorra Magra com seus pais; ele tinha nascido na pequena casa construída por seu avô sobre o casebre que sua família vinha ocupando desde que suas bisavós haviam chegado do sertão da Granja fugidos da seca de 77. Seus pais contavam, por ouvir falar, e mesmo pela comparação que podiam fazer com sua situação agora, que não era certamente muito melhor do que a da época, da miséria implacável que foram aqueles tempos da seca dos dois setes como todo mundo dizia. Pode ser que seja melhor, pensava o Raimundinho, mas pelo que ele vê na Cachorra Magra e no Barrocão, na Granja, ele perdia as esperanças de ver alguma mudança para os seus. Ele tinha certeza que iria batalhar toda a sua vida para ter uma vida melhor e levar os seus a terem uma vida digna como certamente tinham seus antepassados distantes.

Ele ia de vez em quando à Granja passar férias curtas com seus tios, o Tio Pintor (pintor de paredes e, nas horas vagas, retratista) era irmão do seu pai e tinha voltado para a Granja quando viu que não tinha nada pra ele na cidade grande. Lá seus tios moravam no Barrocão, na parte mais alta, isto é, na barreira entre a parte antiga do bairro e a miséria total de hoje, à beira do rio.

Pelo fato de estar saindo da adolescência, sendo quase uma criança, pois tinha um pouco menos de dezoito anos, Raimundinho ainda não havia se habituado com o jeito como era tratado por muitas pessoas, seja na Granja, seja na Capital. Na Granja, pelo menos ele era conhecido e tinha amigos de todos os jeitos como ele próprio dizia, mas os pais de alguns de seus amigos olhavam pra ele com um olhar esquisito. Quando conversavam Jorginho, Sileno e Zelito e ele não estava por perto, muitas vezes, discutiam esse assunto. Eles gostavam do Raimundinho, durante toda sua meninice, nas férias, eles foram muito ligados, pois iam juntos aos banhos de rio, e brincavam juntos de bila, papagaio e espiavam no bar do Santino os jogos de sinuca, proibidos para quase todos só não para ele, seu tio Pintor ia lá se incomodar com isso. Só pouco a pouco os três, que moravam no centro da cidade, descobriram que o Raimundinho era, por muitos, considerado diferente deles. Eles tinham a cor da pele quase igual a do amigo, os cabelos eram pretos e escorridos, talvez os gêmeos os tivessem um pouco mais claros, a estatura era a mesma e outros sinais iguais. Só que o Raimundinho era diferente, o conjunto, bem dizendo. Os sinais herdados dos antepassados índios eram bem mais evidentes e, pior, seus parentes nunca tinham podido sair do Barrocão e “apagar essas nódoas” que eles achavam ter e que poderiam apagar.

Na tarde daquele dia Jorginho foi pro trabalho mais cedo, pois tinha de fazer alguns pagamentos no Banco do Brasil e nessa história ele passava à tarde quase toda; apesar de conhecer uns dois ou três funcionários do balcão, muitos outros colegas tinham também seus conhecidos e daí ninguém tirava vantagem. Após voltar do Banco e de pegar alguma merenda na própria mercearia, pois o primo Flávio não lhe pagava coisa alguma – recomendação de sua mãe que o queria aprendendo a trabalhar, não precisava ganhar dinheiro... - ele foi para casa estudar um pouco antes da aula de francês.

- Já vou Seu Flávio, ta na hora! Era essa a maneira de tratar o primo de sua mãe, bem mais velho que ele, além disso, ele achava que assim mostrava respeito, o que era verdade.

- Vai Jorginho, estudar pra ser doutor!

No dia seguinte no Liceu, entre uma aula e outra, o Raimundinho lhe diz que estava ansioso para voltar à Granja, pois quer ver a Delinha, sua namorada de já alguns meses. Delinha também morava no Barrocão e seu pai era um marceneiro que tivera uma pequena oficina, e que vivia hoje mais de bicos, o que mal dava para a comida. Esta era uma das razões pelas quais os dois queriam apressar um casamento que todo mundo tinha como certo. Eles se preocupavam e ela queria que ele pedisse um emprego ao Dr. Severino, o chefe político. Raimundinho não queria, mesmo porque não pretendia se enterrar na Granja. O que ele queria era se formar, em qualquer coisa, para poder melhorar sua vida e a dos seus incluindo a família da namorada, pois ele já a incluía na sua própria.

Jorginho ouve o amigo e, atento para os problemas de rejeição e de pobreza e de milhares de dificuldades dele, não consegue se desviar dos seus próprios problemas. Ele deixa de falar na sua paixão do momento, pois sabe que o intervalo está terminando e ele não vai ter tempo para falar com o amigo sobre a Corina como quer. Ele prefere falar sobre sua família que é considerada como sendo “de brancos” quando na realidade o seu antepassado “branco” está perdido entre ladrões de cavalos do século XVI que se amasiaram com nativas da terra. Antes de qualquer outra distinção, certamente artificial, o que lhe preocupa é a situação econômica de seu pai. Ele conta para o amigo que em sua própria casa todo mundo pensa que tem dinheiro, aliás, na Granja todos pensam que sua família nada em ouro e ele próprio sabe que não é verdade, seu pai morre de trabalhar e os lucros do seu negócio são poucos para muitas despesas. Raimundinho olha o amigo e diz simplesmente:

- Besteira rapaz, todo mundo lá na Granja sabe que tua família sempre foi uma das mais ricas, do mesmo jeito que a dos gêmeos, vocês fazem é choramingar sem razão.

Toca a sineta e eles vão assistir a mais uma aula de Francês do Prof. Albano querido de todos e que iria falar sobre Vercingetorix, o Bárbaro.

Na saída Raimundinho lembra ao amigo para se informar hoje mesmo sobre as passagens, se tem e quanto vai custar, pois ele vai ter de pedir um adiantamento ao Seu Pedão. Jorginho concorda e logo que termina a aula ele vai até a agência Rio da Cruz na Praça da Estação. Seu Edson, o dono, diz que não tem mais passagens para o sábado, só para o domingo. Jorginho decide que ele tem de comprar logo, pois, do contrário, nem no domingo eles vão poder ir. Ele pede as quatro para o domingo no carro das cinco horas.

– Eu posso debitar para seu pai, pois a gente tem negócios.

Jorginho pede para fazer uma ligação e fala com sua irmã; volta para Seu Edson e diz:

- Está certo Seu Edson, a Maria Isaura diz que o senhor pode fornecer as passagens.

Ele vai pra casa e sua irmã lhe diz:

- Olha Jorginho você precisa falar antes comigo, pois este negócio de apresentar o fato consumado não dá certo. Se eu não tivesse dado a ordem para a Raimunda fazer as camisas de vocês e ao Edson para adiantar as passagens, o que seria? Além do mais esses meninos não tem dinheiro para desembolsar com isso? Vocês vão me pagar, pelo menos as passagens.

Jorginho escuta e, como de costume, baixa a cabeça e não diz nada, vai esperar por outra reprimenda.

Sileno e Zelito vão até a mercearia do Seu Flávio encontrar Jorginho e ver se tudo vai bem do seu lado, pois do deles vai: eles já conseguiram, não dizem como, duas caixas de lança-perfume Colombina para cheirar e lançar nas meninas durante a festa. Jorginho se alegra, mas conta para os amigos que agora eles só vão no domingo, pois não tinha mais passagens para o sábado. Agora tem que dizer para o Raimundinho, na certa ele não vai gostar muito, pois vai diminuir de um dia o tempo que ele vai passar com a Delinha.

No dia seguinte, no Liceu, em um intervalo, Jorginho diz ao Raimundinho que está tudo certo, mas que agora só no domingo, pois Seu Edson não tinha passagens para o sábado.

- Merda, Jorginho, agora essa! Vou ter de avisar para a Delinha que só vou no domingo!

O amigo ficou chateado mesmo, como eles previam.

Na sexta-feira à noitinha estava tudo preparado: camisas e calças engomadas, sapatos lustrados, calções para banho no rio, e o que mais se quer, só faltava arrumar a mala que seria feita na hora. Cada um levaria uma pequena mala de couro com poucas roupas, pois demorariam pouco na Granja.

Nessa sexta Sileno e Zelito encontram Jorginho na Praça da Lagoinha para conversar um pouco sobre a viagem e o Carnaval. Todos estavam preocupados com o Raimundinho, pois tinham desconfiança que o Dr. Benito não o deixaria entrar no salão. Parece que estava havendo um movimento forte na Granja para se criar um clube, pois ninguém mais agüentava aquela sujeira das mijadas por trás do biombo e em cima dos presos, se bem que talvez esse não fosse o motivo principal, pois mijadas e sujeiras os acompanhariam em qualquer prédio por novo que fosse. O prédio, quase centenário, havia sido construído durante a seca de 77 - com braços de flagelados vindos do interior - e servia, na parte de baixo, como cadeia pública e a parte superior era o espaço onde se faziam as sessões da Câmara Municipal desde quando esta detinha o poder. Podia até ser que os presos tivessem reclamado tanto do mijo como do barulho em dias de festa e o Prefeito e o Presidente da Câmara tivessem decidido não mais ceder o espaço. Mas também podia haver um motivo político para isso. Nuvens escuras parecem estar se aproximando do cenário público. De qualquer modo dizem que o irmão dos gêmeos, o que é arquiteto, já havia sido sondado para fazer uma planta para a futura sede do Clube, era só uma questão de tempo, talvez esse fosse o último Carnaval na Câmara.

- Vem cá Jorginho, o que tem tudo isso a ver com o Raimundinho? Pergunta Sileno.
- Ora rapaz! Pode ser que os novos tempos, novo clube, possam servir para aumentar o “branqueamento do povo” como diria aquele autor.
- Mas que autor é esse Jorginho? Tu lê muito e não lembra?
- O que importa é que existe esse enorme preconceito lá: nem preto, nem “caboco”, nem pobre entra. Agora se você é remediado e empresta dinheiro para os graúdos...
- E o que a gente vai fazer? O Raimundinho mesmo anda preocupado...
- Ele não é besta gente! Ele só parece, ele ta sabendo do que o Dr. Benito é capaz, ainda mais quando ele é mandado...
- Ora Jorginho deixa isso pra lá, tu fala demais. Nós vamos, os quatro, e entramos como se não fosse nada. O teu pai e o nosso são sócios e a gente tem o direito de levar um convidado. E o Raimundinho já não foi a festas na Prefeitura?
- Ta certo, vamos arriscar...

Domingo bem cedinho os quatro se encontram, ainda com escuro, em frente à agência dos ônibus do Seu Edson, na Praça da Estação. Logo chega o ônibus, um Mercedes que ta ficando velho, mas ainda dá pra botar até o Camocim que é o fim da linha. O ônibus está lotado e já tem gente em pé, o que é proibido, mas não tem ninguém para impedir o excesso de lotação. Saem enfim e, naquela vagareza que impõe o Duda o chofer acostumado com a estrada, mas criado guiando um caminhão carregado de sacos de cera, chegam a Irauçuba. Quase todo mundo desce para comer paçoca, coalhada e tomar um café com queijo. O Raimundinho vinha com o estômago roncando de fome, pois em casa só tinha mesmo o café preto que sua mãe tinha passado. Os outros comem somente para engordar, pois tinham se alimentado suficientemente. Eles conversam um pouco e mostram excitação com a próxima chegada à Granja. Lá eles vão ver a sua terra, a terra de seus antepassados que eles gostam e respeitam, mas sentem um nó na garganta, todos eles, quando a vêem maltratada como agora. O Carnaval pode ser uma boa oportunidade para não lembrar muito dessas coisas. Vai ser festa e só festa.

- Não é Raimundinho? Pergunta Sileno com um olhar de aprovação dos outros.

Raimundinho diz:

- É mesmo. Eu vou é me divertir com a Delinha. E tu Jorginho vai mesmo procurar a Corina? E os dois marinheiros vão continuar com a Lúcia e a Adília?

Os três só sorriram, pois seus namoros com as meninas estavam longe de serem mesmo verdadeiros; para Jorginho seu namoro com Corina parecia ser questão de coragem que sempre lhe faltava; para Sileno e Zelito na certa não haveria problemas, pois eles sabiam que as meninas estavam caidinhas por eles. Enfim, todos esperavam um Carnaval de sucesso, a não ser pelo problema que eles antecipavam para o Raimundinho e conseqüentemente para todos eles.

Chegaram à Granja às cinco horas da tarde e cada um foi para sua casa. Para contrariedade de todos eles não viram nenhuma das meninas quando o Duda parou em frente ao armazém do Quiquito que fazia às vezes de rodoviária, pois não havia esse serviço na cidade e todos sabiam que não haveria por muitos anos a frente.

De longe ele vê seu Tio Pintor sentado em um banquinho no chão batido em frente de casa e, como sempre, fumando seu cigarrinho. Ao chegar, Raimundinho pede a benção e senta ao seu lado para dar as notícias dos pais e dos seus que ficaram na Capital. Os dois se entendem bem, pois o tio é dessas pessoas que dá muita atenção a gente jovem e gosta de contar coisas que aconteceram com ele e seus parentes. Quando chega a Tia ele começa a perguntar sobre a Delinha e sua família. Tem boas notícias, pois, diz a Tia:

- A menina ta cada vez mais bonita. E eu acho que ela ta mesmo esperando pra casar com você. O Tio diz:

- A gente gosta muito dela, é de família boa e parece que trabalha muito. Vai ser um casamento que vai dar certo!

- E ela vem sempre aqui, ver vocês?

- Vem e ela gosta de ouvir as coisas que eu digo. Traz histórias da rua pra contar pra gente.

- E o pai dela? Vocês se dão, não é?

- É verdade o Velho é boa gente, mas só bebe uma cachacinha todo dia com os amigos no Bar do Tata. Mas quem não bebe... Só eu...

A Tia olha pro marido e dá um rizinho, mas diz:

- Filho entra para arrumar tuas coisas e se lavar para a gente tomar um café. Na certa você quer ir logo na casa da Delinha, não é?

Raimundinho e a Tia entram e ele põe sua sacola na sala aonde vai dormir. Vai “lá fora” e lava o rosto na bacia da cozinha. Os três sentam-se à mesa na cozinha onde estão as xícaras para o café, pois ele trouxe um quilo da capital, presente de sua mãe. Após mais um dedo de conversa Raimundinho troca de roupa, põe um pouco de Leite de Rosas debaixo dos braços e vai até a casa da Delinha que fica na rua de trás, que também, como a de seus tios não tem nome, pois rua de cunha e “caboco” não tem. Ele espera passar essa primeira noite com a namorada, mas certamente vai ter de dar uma palavrinha com Seu Raimundo. Ao chegar, como ele já era esperado, todos estão à janela e saem para recebê-lo:

- Boa noite Seu Raimundo, boa noite Dona Isolda, diz ele encabulado, olhando para a namorada que está na soleira da porta, olhando para ele embevecida.

- Delinha, como ta você?

Ela nem responde, mas vai logo arrumando os banquinhos de madeira em frente a casa para todos sentarem. Dona Isolda logo pergunta ao menino:

- Raimundinho como tão os seus? Sua Mãe ta boa?

- Todos estão bem e mandam lembranças, mas continuam a ter saudades das vezes que vêm aqui.

- E os estudos Raimundinho? Pergunta Seu Pintor.
- Vou bem nos estudos e trabalhando muito na merendeira do Seu Pedão. Parece que ele está gostando do meu serviço, pois até me arranjou um dinheiro adiantado para eu viajar.

A conversa vai de noite adentro os da Granja querendo notícias dos de Fortaleza e Raimundinho sem tirar os olhos de Delinha, com vontade de ficar só com ela, para ver se os dois ainda sentiam as mesmas coisas que sentiram da última vez que se viram e se tocaram. Os assuntos nessa noite vão morrendo entre eles e finalmente o Raimundinho convida a Delinha para dar uma voltinha na “Venida”. Ela olha alternadamente para o pai e para mãe e vê que eles dão assentimento. Levanta-se do banquinho, passa a mão na saia e saem os dois. Quando dobram a esquina ele logo tira um pacotinho do bolso: é o presente que ele trouxe pra namorada, um batom, bem vermelho. Ela fixa os olhos nos seus e sorri agradecida:

- Obrigado, Raimundinho.

Eles dão-se as mãos e caminham até a “Venida” com sorrisos de satisfação. Nessa noite Raimundinho diz à namorada que não vai querer trabalhar na Granja, de jeito nenhum; não vai se sujeitar a essa situação em que se encontra o povo da cidade. Ele prefere qualquer emprego na Capital e depois se formar. Qualquer emprego que lhe dê tempo de estudar. Ela concorda e fica olhando pro seu caboclinho com muita ternura e diz que já pode muito bem ajudar, pois na casa da Dona Zefinha ela já ta aprendendo mais do que varrer a casa e passar ferro na roupa, a filha dela está ensinando ela a cozinhar. Raimundinho sorri e tem vontade de perguntar se Dona Zefinha e a filha esperam que a Delinha vá passar o resto de sua vida lá. Eles se olham ternamente e se acariciam. Permitem-se um beijo na face que passa rapidamente, depois de olhares vigilantes, a quentes beijos que lhes queimam os lábios e as línguas. Eles param por aí, pois decidem que se forem mais adiante, nada os controlará. Voltam para casa onde os pais de sua namorada estavam à sua espera.

Enquanto o Raimundinho está namorando na “Venida” Jorginho passa em frente à casa de sua paixão, pois era assim que os amigos falavam das meninas com quem ele dizia que queria namorar. A Corina era uma garota um pouco mais velha que ele e não lhe dava muita bola, talvez fosse por isso que ela o atraísse. Nessa noite ele conseguiu falar com ela na janela de sua casa. Ela estava com os cabelos cada vez mais louros e lisos, mas estava também bem mais bonita do que sempre fora, ou seriam seus olhos, pensou Jorginho. Ele teve coragem e lhe perguntou:

- Você vai na festa da terça?
- Vou e você?

- Eu vou também e já estou pensando que a gente podia dançar...

- Dançar no Carnaval, Jorginho? A gente faz é pular até cair de cansada. Mas eu lhe prometo que a gente vai pular bem juntinho, o mais juntinho que o Seu Pedro deixar. Estão dizendo que ele vai vigiar todo mundo na festa. Coitado dele, eu vou enganar o tempo todo. Você topa? Se não...

- Se não o que Corina?

- Deixa pra lá Jorginho, depois que você chegou eu só tou pensando em você...

Jorginho tremeu e soube ali que não iria dormir sossegado essa noite.

Na segunda-feira os quatro amigos se encontram na Barragem que ainda escorre um pouco de água e dá para se tomar um banho sem muito sobrosso. A sujeira velha foi lavada e a nova ainda é pouca. Eles passam um tempão jogando cangapé e chupando remela que tem muito na beira do rio. Do local em que eles estão dá para ver as lavadeiras em sua lida com a roupa, ora batendo, ora esfregando sabão, ora pondo pra quarar sobre as pedras. O que chama a atenção de todos eles é exuberância dos seios das “índias” - assim dizia um dos primos sulistas dos gêmeos -, sem que estivesse totalmente errado, expostos sem nenhum falso pudor para todos que os quisessem ver.

Depois do banho e do almoço eles, novamente reunidos, foram “pernar” pelos bares e bodegas, reconhecendo e tirando prosa com antigos colegas do Grupo e amigos mais velhos. Andaram pelos bares do Santino, do Seu Pedro e outros na Praça do Mercado. No do Seu Pedro chega perto o filho do Seu Paulino, bem mais velho do que eles, e pergunta:

- Vocês vão pra festa amanhã na Prefeitura? Todos responderam:

- Vamos!

- Até tu Raimundinho?

- Até ele mesmo! Respondeu o Sileno, antecipando-se ao amigo, tendo os outros feito sinal de concordarem.

- Então é isso aí, a gente se vê na festa.

Andaram mais um pouco e combinaram que no outro dia iriam até a Lagoa Grande para ver as obras de alongamento da parede. Parece também que alguém estava fazendo uma obra no meio da Lagoa e eles queriam ver.

À noite os gêmeos e Jorginho foram passear na “Venida” e ver se as meninas apareciam por lá, pois não havia festa na segunda-feira e assim as chances seriam grandes. Quando eles se encontraram perto do Cruzeiro da Igreja eles olham para todos os lados e, vêm que, das três, somente Lúcia e Adília estão passeando de braços dados. Corina não está e Jorginho fica decepcionado. Ele pensa “o que será que ela está aprontando?”. E fica imaginando milhares de coisas. Enfim... Ele volta para sua casa e os gêmeos vão passear com suas namoradas e certamente acertar alguns detalhes da festa de terça.

Quando Jorginho chega em casa vê que seu pai ainda está lendo os jornais no quarto, deitado em sua rede. O velho, quando ouve os passos do filho, chama-o:

- Vem cá, Jorginho...

- O que é Papai?

Seu pai entra logo no assunto que está lhe preocupando:

- Meu filho você acha que o seu amigo, o Raimundinho, deve mesmo ir para a festa de amanhã?

Jorginho fica surpreso e pergunta:

- Porque Papai? Tem algum problema com ele?

- O Seu Paulino me pediu para falar com você e dizer que o Raimundinho não pode entrar na Prefeitura, amanhã, para a festa...

- Porque Papai? Que história é essa?

- Ele me disse simplesmente que é porque ele é de segunda, caboclo, e eles estão fazendo uma seleção na sociedade. Ninguém sem a aprovação do Presidente nem da Diretora vai entrar. Ele justifica isso porque pretendem construir a sede do clube e assim a sociedade já estará purificada quando ela for inaugurada.

Do alto de seus dezoito anos incompletos, Jorginho diz:

- Papai, que estupidez! E você, o que disse?

- O que você acha? Eu disse que estava parecendo a Alemanha Nazista, com suas leis raciais! Mas ele disse que o pessoal do clube estava irredutível.

Jorginho baixou a cabeça para que seu pai não visse seus olhos úmidos e disse:

- Boa noite Papai, até amanhã. Saiu e foi sentar-se na sala com um livro entre as mãos e pensando em soltar as rédeas de seus demônios íntimos...

Logo pela manhã cedo Jorginho foi até a casa dos gêmeos chama-los para o passeio até a Lagoa Grande. Foram os dois aparecendo e ele contou o que seu pai havia lhe dito na noite anterior. Os meninos ficaram horrorizados e preocupados com o amigo, como ele receberia a notícia. Os três foram logo até ao Barrocão encontrar o Raimundinho. Ele estava na casa da Delinha conversando com Seu Raimundo. Como sempre, o velho estava contando histórias antigas, dos tempos das secas, que foram muitas e cruéis. Os amigos não quiseram interromper mesmo porque eles também gostavam de ouvir histórias da Granja antiga e Seu Raimundo era um mestre nelas. Eles se abancaram e o velho continuou a história sem antes lhes por a par do essencial.
Ele dizia que seu bisavô tinha vindo do sertão da Palma, com toda a família, pois lá tava ruim mesmo. Ele era marceneiro na Malhada Vermelha e quando chegou arranjou um bico, que é como se chama hoje, nas obras da construção da Câmara Nova e do Mercado. Ele era um marceneiro fino e fazia móveis, portas e muitas outras coisas. Um dia o Chefão pediu-lhe para fazer um molde das letras e nomes que iam ficar, em alto relevo, por cima das janelas da Cadeia; deu um trabalho danado, mas ele dizia que aquele de que mais gostou de ter feito foi o daquelas letras que ficam por trás da Cadeia: “ERAS FATAES! DE 6 DE NOVEMBRO DE 1877 A 25 DE JULHO DE 1878”. Ficou bonito, ainda hoje a gente pode ver lá. Os outros eram só os nomes dos Coronéis do tempo.

Quando o velho deu por terminada a conversa os três amigos de Raimundinho se entreolharam e, demonstrando respeito, se despediram chamando o amigo para o passeio na Lagoa Grande. Já nas proximidades eles passaram por uma infinidade de casebres levantados à beira dagua e que tinham uma pobreza tão grande ou maior que os do Barrocão: eram casas de taipa, algumas com a frente de tijolos e pintadas de cores vivas. Parece que as cores pretendiam esconder o que havia de miséria. Os quatro amigos foram caminhando pela margem e logo estavam sobre o aterro da parte leste da Lagoa. Aí eles encontraram um cavaleiro dando banho em seu cavalo e algumas crianças dividindo a água com patos e porcos. Jorginho lembra de ter vindo, ainda bem pixote, acompanhando o Flávio e outros, a uma caçada de marrecas. É verdade que ele não deu nenhum tiro, mas divertiu-se bastante com as mentiras contadas pelos amigos; o seu primo, então, era mestre nesse ofício. Eles estavam agora deslumbrados com a grandeza da Lagoa quando Raimundinho chamou atenção dos outros para uma construção que se erguia bem no centro da Lagoa.

- O que é aquilo, vocês estão vendo?

Nenhum dos outros também sabia o que era aquela estrovenga. Eles chamam o homem que estava dando banho no cavalo e lhe perguntam se sabe o que é aquilo, ali no meio da Lagoa. O “caboco” coça a cabeça, como que relutando, mas fala:

- Dizem que aquilo é o “masolé” do Dr. Severino, mas eu num sei não, pode ser outra coisa.

- E o que diabo é “masolé”, homem?

- Parece que é pra quando ele morrer ser enterrado aí.

- Ahn! V'ambora, disse o Raimundinho e os outros concordaram.

Eles se despediram na Praça do Mercado e combinaram um encontro no bar do CH antes de irem para a Câmara. Foram os quatro para suas casas. Raimundinho foi conversar com Delinha e decidir com a namorada o que fazer: se ia ou não pra a festa. Ele já sabia que ela nem tentar queria, pois sabia que ninguém iria concordar com ela, empregada da Dona Zefinha na festa dos brancos. Nem se falava nisso. Depois de alguma pouca conversa Raimundinho concorda com ela que ele também não deve ir. Mas ele vai no sereno ver o povo que vai entrar para ver se tem alguém de segunda com coragem para subir as escadas. Além dos garçons, músicos e mais gente que ia servir.

Lá pelas nove da noite os dois foram e ficaram em pé na calçada do Grupo. Ele tinha avisado aos outros que não iria e, apesar dos protestos, ele tinha notado certo ar de alívio no semblante dos amigos. É isso aí, pensou ele, não tem jeito não, quem nasceu pra cangalha, não dá para sela mesmo.

Quando os amigos chegaram para a festa, lá pelas dez horas, eles foram até onde o casal estava para um dedo de prosa. Foi aí que o Raimundinho notou que todos três já haviam bebido mais da conta, mas ainda podiam subir os dois lances da escada...

E foi o que eles fizeram ao som de uma marchinha cujos acordes se perderam no tempo... Chegando ao salão, já completamente lotado, eles descobriram cada um suas parceiras. A Corina estava com uma saia bem curtinha e um decote generoso que incitava o Jorginho a ter idéias profundas sobre a anatomia das garotas. Lúcia e Adília vestiam fantasias bem comportadas o que deixava os gêmeos meio desanimados, mas pensaram eles, vamos o ver o que acontece com o desenrolar da festa. Após uns quinze minutos de rodopios e pulos cada vez mais exagerados, os três jovens pares, ébrios do lança perfume distribuído pelo Sileno – ele deu uma bisnaga para cada uma das meninas – estão animadíssimos. Em uma volta do salão enorme se aproxima deles o Seu Paulino e fala, com sua voz mansa:

- Meninos venham cá, as meninas podem ficar. E vai para perto do biombo do mijador. Os três o seguem, já esperando alguma coisa estranha.

- Vocês não podem pular o Carnaval desse jeito.

- Mas de que jeito Seu Paulino? Respondeu Jorginho pelos três, imaginando que fosse por causa do lança perfume.

- Todo mundo usa seu Paulino. Disseram os gêmeos.

- Num tem nada disso. Vocês não podem entrar no salão e nem dançar com essas camisas, - elas são de manga curta. O Dr. Benito e a Dona Arilda proibiram a entrada de qualquer pessoa vestindo mangas de camisa. Não pode e vocês vão ter de sair.

- Mas, Seu Paulino, nós viemos de Fortaleza só para pular o Carnaval aqui e vocês vêm com uma dessas! Não é justo...

- Olha os pais de vocês estão sabendo disso e é ponto final. Vamos descer. Eu levo vocês até o corrimão da escada. Vamos.

Os três se entreolharam e olharam para as ampolas de lança perfume e acompanharam Seu Paulo até a saída. Ao chegaram perto do corrimão onde se agrupavam muitos amigos do mesmo tempo do grupo e algumas meninas, inclusive suas namoradas eles levantaram as mãos com as bisnagas e as arremessaram ao chão fazendo um barulho como se fosse uma tremenda explosão. Todos os circunstantes se entreolharam, mas não disseram coisa alguma, certamente com receio de uma possível repressão pelo Seu Paulino e pelo Dr. Benito que havia se aproximado para ver o desfecho da obra que ele comandara de longe.

Os três desceram os dois lances da escada atropelando muitos dos que estavam subindo fulos, mas sem nada poderem fazer. Era essa a "lei" do Dr. Benito e de Dona Arilda e do Clube deles. Logo ao descer eles viram o Raimundinho que, nesta altura, estava sozinho, parece que a Delinha já havia ido embora com suas amigas. Ele aproximou-se dos três e soube da expulsão. Os quatro, agora indignados, mas principalmente muito tristes, comentam com sua experiência limitada, como sua querida cidade, sem sair da escuridão dos séculos passados estava mergulhando na escuridão complementar deste meio século. Com um conformismo que não foi compartilhado por Raimundinho eles dizem:

- Felizmente vamos voltar logo!

Raimundinho diz:

- Jorginho, vamos amanhã no ônibus das oito?

O amigo responde:

- Vamos, mas...

- Mas o que rapaz?

- Vamos dar uma voltinha agora? Vamos meninos?

Sileno e Zelito respondem que não, pois vão viajar bem cedo para a California com o Coronel que havia chegado a pouco de Sobral. Eles então se despedem e saem pra Rua do Riachão onde moram.

Raimundinho e Jorginho seguem em direção à Rua da Loca e, perto, na rua de trás, eles vêm o Renato sentado na beira da calçada. Jorginho diz:

- Ô Renato eu ainda não tinha visto você. Como está?

- Tudo bem amigo. Vou bem mesmo.

Aí Raimundinho diz:

- Olá nego rei Renato tu não foi ver a festa do Carnaval?

Renato retruca, rindo:

Ora Raimundinho em festa de branco nem no sereno eu vou...

Sem ter o que dizer os dois continuam em seu passinho na direção já determinada. Bem na esquina com a Rua Lívio Barreto está o cabaré da Chica Eliana e eles, olhando de um lado pra outro, dão como que um pulo e logo se acham no meio do salão iluminado, mas com zonas bem sombreadas. Tomam uma mesa mais ou menos na penumbra, pedem duas doses de gim com gelo e ficam observando as garotas que se oferecem em mesas. Daí a pouco Jorginho diz para Raimundinho:

- Será que aquela moreninha ali sozinha é também...

- Que é isso rapaz! Que diabo ela faz aqui se ela não é da casa? Tu quer ir com ela?

Jorginho assentiu com a cabeça e daí a pouco a Izinha, pois este era o nome da mocinha que estava com eles. Ela não era mais do que uma menina de seus vinte e poucos anos. Era bem bonita com uma pele de cobre brilhante e olhos bem repuxados, como se fosse uma indiazinha que tivesse saltado de uma gravura de Debret. Jorginho ficou entusiasmado e logo estava perguntando, sob o olhar crítico de Raimundinho, de onde ela tinha vindo e mais besteiras. Izinha parecia divertir-se com as perguntas infantis daquele meninão nervoso. Ela bebia um pouco de cerveja quente e, quando terminou o copo pediu um outro, no que foi prontamente atendida. Raimundinho já estava se cansando daquela conversa a dois e decidiu ir embora.

- Pois ta bem Jorginho, amanhã a gente se encontra no ônibus, as oito, hein? E olhando para Izinha lhe dá adeus.

- E agora? Perguntou Jorginho a Izinha.
- Agora, seu bobo. Agora é cum nóis. Vamo.

E saiu puxando sua presa pelo braço até o quartinho e uma rede que recendia a humores presentes e passados.


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Friday, November 20, 2009

POEMAS BARRETO/XAVIER 92


O poema Os cajueiros foi dedicado ao Prof. Francisco José Garcez dos Santos e publicado em Dolentes. Apareceu no Jornal do Ceará em 29 de setembro de 1905.

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Thursday, November 19, 2009

Aforismos do Velho Inaço 7


Quem me engana não vai pra diente. Deus protege os inocente.

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Wednesday, November 18, 2009

HISTÓRIAS DE JORGE RAPOSO 29

CONTRATO DE SERVIÇO

Jorge,

Informado de que Diomedes tinha levantado um novo rancho, mandei um positivo verificar e este constatou que de fato estava levantado, não só rancho como também o quintal. Peço-te falar com o camarada que tem feito a destruição ali para ir lá novamente destruir o rancho, levando duas garrafas de querosene para tocar fogo em toda a palha da coberta e por abaixo também o quintal. Dá ordem ao mesmo para tirar tudo que tiver dentro do rancho para fora sem estragar cousa alguma. Instrua ao encarregado do serviço para dizer que está fazendo estas destruições a mandado de meus filhos em Fortaleza. Convém que ele vá logo amanhã ou domingo muito cedo. Seria conveniente justar previamente o serviço oferecendo-lhe R$ 300,00. Caso ele não aceite pague o que for razoável, porém deve justar o preço antes dele ir.
Antecipando meus agradecimentos me firmo
Amigo certo
José Gomes


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Tuesday, November 17, 2009

HISTORIETAS DO MEIO DA SEMANA 107


CONVERSA QUENTE

Os lugares não foram distribuídos antecipadamente de tal sorte que cada participante escolheria o que lhe fosse mais conveniente. Eles escolheram uma grande mesa circular que comportava umas doze pessoas. Os três ficaram um ao lado do outro e ela tinha do seu lado esquerdo um enorme e louro sueco. Daí a pouco o casal notou que ela já tinha se dado a conhecer com o jovem. Eles notaram que o moço estava entusiasmado e desconfiaram que a conversa estivesse esquentando. Quando disfarçadamente ele olha por baixo da toalha imaculadamente branca vê que ela está com a perna cruzada, sem sapato e já tocando a perna do jovem viking. Eles dizem que ela não devia se comportar assim, etc., etc. Ela responde perguntando:
- E o que é que tem? E daí?


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Monday, November 16, 2009

HISTÓRIAS DAS TERÇAS 74


A MÁSCARA

A bela e loura Carla bateu à porta, a mando do amigo médico, para vender-lhe uma máscara que, segundo ele, seria sua salvaguarda. Ele tinha problemas com o sono e todos queriam que se cuidasse.
A loura chegou e foi logo falando:

- Carla, esta é uma máquina respiratória, de nova geração, vem direto de Tucson, é eficiente e é muito barata, pois custa só mil dólares. Ele viu que ela abria a embalagem, já meio gasta de outras visitas e continuava a falar:

- Pois é Carla, é uma máquina de fabricação americana que produz um fluxo contínuo de ar que penetra as vias respiratórias do paciente. Como você já sabe, ela aquece a água e leva o ar umidificado e aquecido à temperatura do corpo de tal sorte que o paciente vai estar passando uma noite tranquila. O freguês olha espantado para a loura quando percebe que ela está se dirigindo, não a ele, o candidato em potencial em adquirir a tal máquina, mas a si própria. Ela continua a falar e ele, evidentemente, a escutar:

- Carla, diga ao senhor que, se ele quiser, você poderá estar fazendo uma demonstração aqui mesmo em seu domicílio.
O freguês, ainda mais espantado, diz à jovem loura e bela que ele vai pensar, pois certamente o remédio, isto é, a máquina, nesse primeiro teste, ajudada por ela, vai mesmo é matá-lo. Texto completo.

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Sunday, November 15, 2009

HISTORIETAS DE SEGUNDA-FEIRA 147


ESCOVA DE DENTES PARA O BRUGUELIM

Quico chegou pra sua mãe e disse:

- Mãe o Mauro é um chato, não vou mais brincar com ele.
- Porque menino?
- Olha Mãe ele sabe de tudo...
- E o que foi agora?
- Ele disse que vai comprar uma escova de dentes pro sobrinho dele que nasceu ontem, pois os dentim do menino vão logo crescer e ficar sujinhos!
- Que história é essa, menino? Já se viu?

No dia seguinte entra o Quico vindo da calçada onde todos os moleques se reuniam para brincar – não havia parquinho... Ele entra alegre, assoviando uma cantiguinha. Sua mãe ficou olhando pro menino aguardando o que viria e ela sabia que boa coisa não era...

- Alegre porque Quico?
- É que o Mauro não vai mais comprar a escova de dentes para o sobrinho...
- E porque não?
- Porque ele morreu ontem de noite...

O texto está completo.

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Falta memória: Proclamação da República.


Hoje, 15 de novembro de 2009, é o aniversário de 120 anos da Proclamação da República do Brasil. Ninguém lembra. Veja alguns poucos textos: da sempre presente Wikipedia e uma justa reclamação.


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Saturday, November 14, 2009

CONTOS DA RIBEIRA 16


O MENINO


O menino acordou cedo, como de costume, pois não gostava de se atrasar para as saídas com o Renato. Hoje eles iriam pegar canário pros lados do Cemitério. O amigo lhe dizia que já tinha pegado muitos por lá com seu alçapão e, se eles levassem dois, seria bem mais proveitosa a saída. O menino tinha ganhado um bem novinho do Zé Costa, caixeiro da bodega do seu pai. (...)


Sentou-se à mesa e esperou que a Rosilda terminasse de por seu café, pois os adultos já tinham tomado o seu e ele, apesar de ter acordado cedo, viu, mais uma vez, que os outros madrugavam. Seu pai já tinha ido para a bodega no Mercado e a Mãe estava na cozinha metida no preparo do doce de caju para mandar para Fortaleza.

Ele gostava das tapiocas que a Rosilda fazia, pois eram bem fininhas e sequinhas e ele abusava da nata, de coalhada, para torná-las ainda mais gostosas; chegava a comer cinco ou seis com café de leite. Tinha ainda queijo de coalho e um pãozinho celestial – ele não dizia esta palavra – feito pelo padeiro da vizinhança; esse pão era bem pequeno, quase do tamanho de um dedo indicador, escurinho, e torradinho – o pão do Pompe. Desses, ele comia uns três ou quatro, agora com manteiga Patrícia, de lata.

A negra Rosilda adorava servi-lo e ficava ao seu lado, em pé, pois era sempre uma oportunidade de falar sobre o que se passava na cidade. Ela sabia que ele gostava de saber das novidades e ela podia, sem susto, expressar seus dotes de alcoviteira e fuxiqueirinha, como todo mundo em casa dizia. Certamente na cidade todos sabiam desses seus dotes.

Nessa manhã ela contou pro menino de treze anos que a Nicinha havia chegado à cidade, vinda pelo trem de Sobral, à noitinha.

- Você não a conhece? Ela é filha do Senhor Pereira. Ela falava escandindo as palavras, o que se notava bem na palavra S-e-n-h-o-r-r-r-r-r.

- Nunca ouvi falar nessa Nicinha. Ela é filha de quem mesmo?

- Do Senhor Pereira e eles moram no Parazinho. Ela é bem bonitinha. Dizem que ela foi fazer uma operação na Santa Casa e lá demorou bem um mês. Não se sabe que operação foi essa...

- Quantos anos ela tem? Perguntou o menino interessado.

- Acho que ela é assim da sua idade. Começando a rir e mostrando sua dentadura perfeita.

O menino logo perdeu o interesse, pois ouviu que o Renato estava chamando por ele da rua, mas disse:

- Rosilda, eu vou sair com o Renato e os meninos, mas quando chegar eu quero saber mais dessa história...

Saiu correndo levando a baladeira e o alçapão novo. Ao chegar ao portão da rua ele viu que o amigo levava o alçapão pendurado ao ombro por uma vara e viu também a baladeira de liga de borracha preta. Renato estava usando o seu inseparável chapéu de palha de carnaúba verde e encarnado.

Logo que o viu, Renato foi dizendo:

- Rapaz porque você não está usando um chapéu? Olha que eu sou preto e uso um o tempo todo e você, “um guardanapo”, vai se queimar todinho. Com isso ele queria chamar a atenção para a pele bem clara do amigo.

- É mesmo eu ainda não tenho um chapéu. Eu acho que não fico bem de chapéu, não.

- Que frescura é essa rapaz? Mais tarde você vai no Mercado, lá na bodega do Haroldo e compra um. Vamo logo!


Em casa, Vicente tomou seu café com um pedaço de pão seco, sobra de ontem. Sem falar com sua mãe, sempre ocupada na cozinha lá atrás ou no quintal dando de comer às galinhas, ele saiu logo e às carreiras pelo aterro. Ele volta rapidinho e grita:

- Mamãe eu vou tomar banho na Barragem com os meninos!

A mãe não o viu mais quando chega na frente da casa, pois saiu em nova carreira desabalada e chegou à estação antes do trem. Todos os dias, nas férias e no inverno, quando o Rio estava cheio, ele fazia essa aventura. Ia para a estação esperar o horário que vinha do Camocim e, escondido atrás de um monte de pedras bem pertinho de onde o trem parava, Vicente dava uma carreirinha e pulava para alcançar o último carro, assim que este passava, sem que o chefe da estação ou qualquer guarda o visse. Ele ia até a ponte onde havia uma parada para o trem tomar água. Essa manobra lhe economizava as energias para as aventuras no Rio com os colegas por quase todo o resto do dia, pois todos estavam de férias no Grupo.

Nesse dia ele tinha combinado com a turma do Barrocão e mais o Renato que morava na Rua Sete e o menino amigo dele que iriam se encontrar na Barragem. Tomariam banho e brincariam de jogar cangapé e depois pulariam da ponte, pois o rio estava muito cheio e era bom pra se pular até da última cruzeta, não tinha perigo nenhum. Ao chegar à Ponte os meninos do Barrocão já estavam tomando banho na Barragem e ele se juntou à turma nas brincadeiras e na busca de ramela que tinha muita mesmo.

A Barragem estava tão cheia que não dava para nadar perto da Ilha do Hugo, se eles quisessem nadar teriam de ir um pouco mais acima, a um dos poços, talvez o Pucu ou o Paraíso; lá as águas eram mais mansas, mesmo com o Rio muito cheio. Mas eles tinham de esperar pelo Renato e pelo menino, pois promessa é dívida.

Quando todo mundo achava que os amigos não viriam mais, pois já estava ficando tarde, os dois apontam lá na curva da estrada que vem da Praça da Matriz. Eles traziam os alçapões suspensos pelas varinhas de marmeleiro nos ombros e quando chegaram perto todos viram que só o Renato tinha um canário. O menino não tivera sucesso na sua caçada, mas certamente o nego rei iria lhe dar o que pegou.

A turma toda tinha ciúmes da amizade entre esses dois. Sem muita razão, pois o Renato, sendo filho da Dona Heráclia, lavadeira da casa do menino há muito tempo, era tido como de casa e os dois eram mesmo muito amigos. Deixa pra lá.

Como os dois estavam vestidos com calções por baixo das calças, foi só tirá-las e cair na água e se integrar às brincadeiras dos outros.


Lá pelo meio dia eles resolveram subir para o tabuado da ponte e pular nas águas revoltas e barrentas do Rio. Todos pularam e quando já estavam bem excitados um deles, parece que o Fernando, aquele menino que mora na Rua Sete perto do Renato e que tinha vindo com a turma do Barrocão, junto com um primo convida todos para pularem das cruzetas e lá do alto mesmo. Só ele próprio Fernando, o Vicente – sempre afoito – e mais um outro menino do Barrocão disseram que pulariam e começam a subir as cruzetas sem antes jogarem um olhar de desafio para os outros. O menino não resiste e, apesar dos apelos do Renato, acompanha os outros.

Forma-se como que uma fila de garotos subindo, um atrás do outro, até chegar à cruzeta apropriada, aquela de onde podiam saltar para o Rio e cair entre as pedras que todos sabiam existir, mas que estavam submersas agora e que eles desafiavam. A fila de garotos se movimenta a medida que cada um pula para as águas revoltas do Rio e, cada um a sua vez, emerge do fundo estampando um sorriso de vitória. O Fernando, o Vicente e o menino do Barrocão nadam para a enorme pedra que fica um pouco fora do centro. Todos agora ficam de olho grudado nas águas à espera do menino que havia pulado por último.

Passa o tempo e o menino não sobe. Talvez um, dois, cinco, dez, minutos. Nada. Não há sinal do menino. Ele não subiu. Todos se entreolham e começam a pular de volta às águas agora com uma tristeza imensa estampada em seus rostos infantis. Mergulham e sobem e nada. Renato que não havia pulado pula agora do tabuado e começa também a procurar o amigo. Nada. Após, talvez, uma hora eles estão mortos de cansados e desesperados. Nada. Somente a certeza que o menino, amigo de todos, desapareceu, é completa.


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Thursday, November 12, 2009

Aforismos do Velho Inaço 6


Velas acesas finanças alcançadas.

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Wednesday, November 11, 2009

HISTÓRIAS DE JORGE RAPOSO 28


SERVIÇO

Jorge,

É preciso notares que temos que mandar fazer aquele serviço antes que termine as férias do foro, para aproveitarmos a ausência do Juiz e promotor que deverão chegar antes do término das férias. O capitão Pádua está muito interessado pelo caso e foi ele que veio me dizer ontem para eu providenciar tudo antes da chegada daquelas autoridades. Podes lançar mão de automóvel ou caminhão por minha conta e tudo mais que for necessário para a efetuação do que pretendo fazer. Lembro-te que Fernando Silva e Joaquim Pedro, talvez pudessem indicar pessoas a altura para realizar este serviço.
Creio que quatro camaradas dispostos serão suficientes, pois se trata de uma única pessoa e não parece ter disposição para luta. É bastante atrevido e se acha influenciado pelos comunistas. Acho conveniente a pessoa indicada vir até aqui para eu dar instrução. A estrada que vem de Pereiro para Almofala, tem rodagem muito boa até a casa e a distância dali para a casa é menos de um quilômetro. Fica aquém do cemitério do Cocorote vindo de Pereiro. Aguardo, pois tuas providências com toda urgência.
Do amigo certo
José Gomes


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Tuesday, November 10, 2009

HISTORIETAS DO MEIO DA SEMANA 106


GIZ

O rapaz era duplamente estudante e professor. Cursava o último ano de Biologia e era professor dessa matéria em diversos colégios. Muito inteligente e muito arrogante. Chegava a ser insuportável. Certa ocasião assistia aula da disciplina ministrada por um professor sem muitos atributos didáticos. Ao fim da aula, quando o professor punha de lado o toco de diz que usara, ele levanta-se e diz:

- Um momento professor, não largue o giz, pois o senhor ainda vai precisar dele para me responder a essa pergunta...

O professor, adepto do contratudismo, retrucou:

- Vou largar o giz e não vou responder à sua pergunta...


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PRAGA


A cidade é conhecida como a das “cem torres” e é considerada como uma das mais bonitas do mundo. Praga, capital da República Checa, está situada às margens do Rio Vltava, na Boêmia Central, no centro da Europa. A cidade é famosa por sua arquitetura – O Castelo, sua cultura – nomes como os de Dvořák, Smetana, Kafka, Rilke, Mucha e muitos outros. Não esquecer da cerveja do país (Pilsner Urquell).


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Monday, November 09, 2009

O MURO DE BERLIM CAIU HÁ 20 ANOS


Há vinte anos no dia de hoje (9 de novembro) caia o Muro de Berlim. Esta estrutura foi construída em 1961 a fim de isolar o lado ocidental – capitalista - da Berlim dividida, do seu lado oriental - comunista. Durante a existência do Muro famílias foram separadas, foi proibido o trânsito e as pessoas proibidas de sequer visitar o lado ocidental. O fim da Guerra Fria criou as condições para a derrubada do Muro em 1989.

Há uma extensa literatura sobre o acontecimento e um grande número de sites onde se pode ler sobre a Construção e a Queda do Muro. (Wikipedia; g1; vídeo Globo). Leia também "Sete minutos que abalaram o mundo."


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Sunday, November 08, 2009

HISTORIETAS DE SEGUNDA-FEIRA 146


VOVÔ

Era muito querido por seus sete filhos e sete netos. Quando os filhos perceberam ele havia entrado em um processo de depressão muito grande. Quase não falava e aparentava não ouvir. Não lia, o que era seu hábito preferido e nem conseguia ouvir seus clássicos, costume mais recente. Também não conseguia mais andar, perdera forças nas pernas. Ficava todo o tempo em uma cadeira de rodas movimentada por todos na enorme casa. Seus netos desconfiavam de que ele ouvisse as exclamações de todos:

- Bota o vovô no sol! Ou então:
- Tira o vovô do sereno!

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Saturday, November 07, 2009

CONTOS DA RIBEIRA 15


A FESTANÇA

O Secretário veio lá da terra do sol e do caju só para procurar um local adequado para a grande festança que a turma iria promover pela permanência do Nosso Guia no trono. Na verdade quem iria promovê-la eram os Poderes Públicos, todo mundo sabia, entretanto ninguém falava, pois mais uma vez se diga que sobre essas coisas não se fala podendo até pensar, mas só poucos e infelizes lá pensam, daí não havendo problema. (...)


Mas de qualquer forma a turma apoiava o que não era de admirar, pois todos já apoiavam o Homem o tempo todo. Tinham o rabo preso em algum gancho. O Secretário encontrou e alugou logo, com muita antecedência, - outros poderiam passar-lhe à frente, apesar de ainda estarmos em novembro, de 2012 o ano do que infelizmente poderia ser o último do reinado do Dr. Tal - a cobertura do Hotel Des Fleurs na Beira Mar para a grande recepção que os Poderes Públicos dariam. Com mais uma eleição do Nosso Guia, a enésima, todos na Cidade estavam eufóricos. A perspectiva de continuarem a se locupletar pelos próximos quatro anos e de se empanturrar, agora, na janta preparada pelas grandes cozinheiras e doceiras da Cidade, ajudadas por maitres dos melhores restaurantes como o L´e, com sua chef Marie Dobamá, enchia a boca de todos de uma saliva espessa e orgulho desmesurados. Grande também era a expectativa de beber do melhor uísque e do melhor vinho, ambos escolhidos pelo próprio Dr. Tal.

Para o povo rude ele escolheu uísque Jóquei Clube – para lembrar dos anos 1950 quando tudo começou – e vinho Sangue de Boi, este para homenagear sua esposa, a prefeiturável na próxima eleição, que era gaúcha de Pelotas, onde o único filho do casal, o Herdeiro do Trono, tinha nascido. Para si próprio o vinho escolhido era um Romanée Conti da safra de 1960 e o uísque era um Dimple de 15 anos, na falta de um melhor, pois o seu contrabandista preferido não chegara a tempo trazendo a primeira opção que era um Laphroaig de 18 anos. Na noite aprazada Nosso Guia sentou-se, feito um imperador persa e parecendo Alexandre Magno, em sua cadeira de espaldar alto, encimada por um florão que era ver uma coroa imperial e toda forrada com cetim branco imaculado, tendo ao lado sua esposa preciosa, consorte de todas as horas, a espera dos convidados. Estes foram chegando, a princípio os secretários e suas famílias, em carruagens, ou melhor, em carroças que devido à decoração diversa distinguia cada um dos clãs da Cidade. Eles vinham de lá, parecendo até que haviam cronometrado a marcha, pois chegaram minutos antes da abertura dos salões, sendo virtualmente despejados em frente ao hotel onde estavam à espera o Filho do Homem, como todos chamavam e o Primeiro Casal aprovava assim como os secretários mais acachapados de seu Glorioso pai. O secretário das Finanças chegou em carruagem vermelha, brilhando de luxo, trazendo uma pasta 007 que ninguém sabia o que continha, mas todos imaginavam; o Secretário da Agricultura, este chegou em um carro último modelo usando combustível ecológico do tipo animal, mas mal cheiroso; o Secretário da Cultura, que já tinha recebido o bilhete azul, veio carregado por uma carruagem de deslumbrante azul piscina para, apesar de tudo, render tributo a seus patrões, os donos e detentores do eterno saber na região; um carro branco como as nuvens trouxe a Secretária da Educação, sabia-se - ela não fazia mistério -, que sua missão na pasta era a de negar toda a velha, tradicional e pouca história do lugar, pois seu patrão, o Glorioso, só admitia história de sua família e mesmo, somente a dos últimos vinte anos, para trás era tudo irrelevante. Em seguida entram as pessoas que haviam chegado cedo e estavam esperando pelas ordens do Príncipe de Gales – ôps, ato falho! - e seu ajudante o Joaquimzão, - que não tinha nada de “zão”, pois ele era quase um anão e ademais por que esse camarada chegara a essa posição se ele estava antes do “outro lado”? São, então, introduzidas no Grande Salão Oval as professoras e professorinhas dos diversos grupos e escolas, estes, é bom salientar, tinham todos os nomes de parentes e aparentados do Nosso Guia. Não importa. Foi introduzida, Dona Francisca, a Sábia da Cidade, pois ela tinha mania de corrigir todos os documentos que chegavam às suas mãos bem como os livros didáticos usados pelas crianças, alunas de toda a Cidade, isto por mandato da Secretária da Educação; foram admitidas também as demais lentes. Essas outras professoras, como não tinham expressão própria, se é que se pode dizer assim, formaram grupos concêntricos ao redor do trono, pois era mesmo um verdadeiro trono como se estava vendo. Chegou a vez dos profissionais liberais, como os médicos, que quase não os havia na Cidade; dos farmacêuticos, entre esses se destacava o casal nota vinte, dez mais dez, pois não há nota de vinte, só oncinhas e peixinhos, famoso na Cidade por sua rápida ascensão financeira e pela projeção social; dos veterinários, pois havia um bom número desses, dado o enorme mercado para eles uma vez que era grande a quantidade de gatinhos e gatinhas e cãezinhos de estimação o que compensava a falta de rebanhos, pois estes só fazem sujar as ruas; e dos gerentes de bancos e poucos de seus funcionários; chegou a vez dos titulares dos diversos cartórios e dos cartorários, principalmente aqueles que faziam as transcrições de documentos, enfim boa parte da “soit disant” classe média da Cidade. Todos esses formaram mais um círculo em volta do trono de Nosso Guia. Para não alongar muito, vamos encerrar a lista dos entrantes de valor, mas sem antes deixar de citar os empreiteiros amigos que tinham aberto filiais na Cidade para ajudar em sua reconstrução, pois eram eles que estavam fazendo o embelezamento dela, derrubando casarões dos séculos XVII-XIX para construir prédios modernos. Por fim foram admitidas pessoas da plebe rude, era assim que o Dr. Tal se referia ao povo que havia votado nele e sempre o elegia e reelegia e a quem ele não gostava de homenagear de maneira nenhuma.

A festança começou com a distribuição, pelo Nosso Guia, de muito uísque Jockei Clube e vinho Sangue de Boi aos homens e mulheres que estavam organizados em filas ao seu redor. Após receber sua ração de bebida homens e mulheres continuavam organizados assim e se dirigiam para a mesa do bufete para pegar salgadinhos às mancheias, como é o costume nessas festanças, ninguém esperou, mas havia salgadinhos volantes para as personalidades mais importantes. Após uma meia hora as pessoas, já desinibidas, começaram a formar grupinhos de 5 -10 para melhor conversarem, e elas comentavam quase unanimemente a toalete dos membros da Primeira Família – ôps quase que se diz Família Imperial – toda ela mandada fazer nos maiores estilistas da capital. Nosso Guia vestia uma guayabera branca do tipo usado em Cuba feita em linho S120 e impecavelmente engomada. A Primeira Dama portava um longo preto brilhante da lavra de Dona Raimundinha que era da Cidade, mas tinha uma butique na capital, o vestido brilhava intensamente devido aos milhares de lantejoulas e lampadinhas chinesas de Natal que acendiam e apagavam em uma produção do Pedrinho o eletricista mais importante da Cidade. Quando todos estavam quase melados Nosso Guia deu a ordem para o início do jantar, isto é, início da passagem das pessoas pelas mesas com os diversos pratos expostos e postos à disposição dos famélicos. Havia de tudo, saladas de legumes frescos, frutas da estação, arroz brunido e arroz tipo carreteiro e Maria Isabel, feijão de corda com jerimum, feijão preto cheio de carnes, quase uma feijoada, vitelo ao molho de pimenta, carnes nobres com cortes argentinos, filés em diversos molhos, perus de Natal, galinhas secas da Palma, capotes, carne de criação, carne de porco, camarão ao molho de coco, lagosta com creme de mandioquinha, sirigado em manteiga e fines herbes. Era, enfim uma infinidade de pratos que daria para alimentar um grupo de umas mil pessoas que era bem mais do que aquele que rodava em seus círculos, agora uma grande espiral, na cobertura do Hotel Des Fleurs na Beira Mar.

Enquanto o Sangue de Boi e o Jóquei Clube corriam soltos o Príncipe Herdeiro recebeu ordens de seu Querido Pai e Mentor para o início da rodada de doces e docinhos. Estes eram queijadinhas, rosinhas, rosquinhas de açúcar e muito doce de banana e caju, todos produzidos nas futuras instalações das fábricas que já lhe pertenciam e que iriam exportar para a China e outros paises do Bric. Quando a rodada de docinhos terminou Nosso Guia tomou o microfone e fez um discurso de cerca de meia hora quando falou de seus planos para o futuro que incluíam asfaltamento de todas as ruas e das rodovias que chegavam até a Cidade, reconstituição da estrada de ferro, estabelecimento de linhas de metrô de superfície ligando os diversos bairros, abertura do aeroporto com um heliporto anexo e muitas outras obras. Quando ele estava enumerando todos esses futuros benefícios de seu próximo mandato o Príncipe de Gales aproximou-se e cochichou em seu ouvido e foi aí que o Dr. Tal acrescentou ao grande número de obras a climatização do estádio de futebol local com a instalação de um poderoso sistema de ar condicionado central. Quando ele terminou ouviu-se uma salva de palmas muito grande que foi interrompida a seu pedido quando então ele comunicou que todas essas obras seriam financiadas pela grande indústria de lamparinas de folhas de flandres que a iniciativa privada em associação com o poder público estava para inaugurar no bairro da Várzea. Nessa altura houve um ruído vindo de alguns setores insatisfeitos que reclamavam da falta de uma banda de forró que lhes permitisse arrastar os pés e balançar os quadris; infelizmente Nosso Guia, como não gostasse de sambar, não tinha permitido a contratação de uma banda. Após mais palmas Nosso Guia pediu a todos que debandassem em silêncio e tomassem suas carruagens coloridas para voltar à Cidade e retomar seus múltiplos afazeres público-privados.




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